Pacientes precisam ter direitos assegurados por lei em âmbito federal? Projeto de lei em tramitação na Câmara procura garantir o acesso a todas as informações aos enfermos, além de definir aspectos como confidencialidade do tratamento, por exemplo. As propostas, porém, esbarram em divergências no meio médico, como demonstram os textos de Sami El Jundi (leia abaixo) e Rogério Amoretti na seção "Três Visões". E só devem garantir resultado se houver clareza sobre o que as pessoas podem reclamar e onde, adverte o paciente Luiz Roese.
Chegamos atrasados no que se refere a tratar dos direitos dos pacientes em sua relação com os profissionais e instituições de saúde, já positivados em países como a Argentina (2009) e a Espanha (2002) ou em estatutos supranacionais, como a Declaração sobre a Promoção dos Direitos dos Pacientes na Europa (OMS/1994). Não é tema novo, tampouco irrelevante.
O PL 5.559/2016 da Câmara afirma fundamentar-se no referencial dos Direitos Humanos, mas o teor do Art. 24 (a violação... caracteriza-se como situação contrária aos direitos humanos, nos termos do disposto na Lei nº 12.986, de 2 de junho de 2014) implica que suposta violação aos direitos ali descritos sujeitará o profissional da saúde aos mesmos procedimentos investigativos e judiciais que um torturador, o que é evidente falta de razoabilidade e proporcionalidade. Diferente do afirmado, não há vácuo jurídico na relação paciente-profissional de saúde, posto que os conselhos profissionais tratam da atuação dos profissionais em relação aos pacientes e o fazem com poder normativo conferido pelas legislações próprias. Previsões semelhantes às contidas no PL são encontradas em códigos de ética de todas as profissões regulamentadas e possuem força de lei no que tange à atuação desses profissionais, inclusive amparando sentenças judiciais.
O PL cria dificuldades à já combalida estrutura do SUS ao, por exemplo, definir cuidados paliativos como aqueles prestados necessariamente "por equipe multidisciplinar", independentemente do caso concreto. Ou ao obrigar os serviços a fornecerem assistência espiritual, intérprete ou apoio aos familiares de pacientes terminais. Parece magicamente transpor uma realidade – a do GHC e seu orçamento milionário – para a dos pequenos municípios do interior de todo o país.
Nem que falar no teratológico Art. 10, cuja redação – apesar de já emendada – acaba por vetar também a "discriminação positiva" em razão de enfermidade ou deficiência, ou seja, a possibilidade
de dar preferência na assistência para pacientes cuja doença ou condição assim o exija, posto que a preferência de um sempre ocorrerá em detrimento de outro, salvo os recursos sejam infinitos.
Tal projeto, sujeito à apreciação conclusiva pelas comissões, longe de incorporar os avanços decorrentes do acúmulo de experiências, inclusive no campo jurídico, se constitui em instrumento de péssima redação legislativa, tendente apenas a aumentar a litigiosidade em um sistema de saúde que sofre com a crescente judicialização das relações entre pacientes e profissionais.