Desde que a Presidência do Brasil foi comprada, as panelas ficaram silenciosas. Se antes, a cada pronunciamento da presidenta eleita as capitais registravam altos índices de panelas batendo, numa prova inconteste de indisposição ao diálogo, uma vez que a prerrogativa da escuta estava sendo quebrada, hoje a indignação à classe política parece não mais fazer parte daqueles que se diziam tão preocupados com o futuro do Brasil.
A indignação é seletiva. A raiva dos paneleiros não era contra a corrupção sistêmica que assola o país.
A raiva era exclusivamente contra a corrupção do PT.
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Hoje, um ano após a queda de Dilma, a narrativa de golpe se confirma. Não temos um presidente honesto, mas isso já não leva ninguém às ruas.
O conjunto de ministros, que Temer prometia ser uma reunião de notáveis, é claramente um sindicato de bandidos. Mas tudo isso já era esperado em se tratando de PMDB. O que intriga é o silêncio. Por onde andam os líderes do MBL, do Vem pra Rua, da Banda Loca Liberal...
Por onde anda aquele teu amigo que te chamou para lutar pelo impeachement? Por que, subitamente, pessoas dispostas a colocar o Brasil nos trilhos abandonaram as domingueiras golpistas?
Diante da aprovação da reforma trabalhista, fica claro a quem serviu o golpe. A Fiesp, cuja fachada exibia constantemente a ordem de "Renúncia já", contra Dilma Rousseff, hoje, diante dos escândalos do (des)governo Temer, declara não ser sua função opinar sobre os rumos políticos do país. Temer serviu para colocar em prática uma agenda que jamais seria aprovada nas urnas. Governante algum se elegeria prometendo mutilar a CLT e reformar, para pior, a Previdência.
Primeiro a gente tira a Dilma, depois amarga o fim das farmácias populares, a abertura do pré-sal aos estrangeiros, a reforma do Ensino Médio, o desmonte dos bancos públicos... Primeiro a gente tira a Dilma, depois a gente perde o Ciência sem Fronteiras, sucateia Fies, Prouni e Pronatec, enfrenta deflação e convive com o primeiro presidente denunciado por corrupção passiva no exercício do poder.
As panelas correm o risco de silenciarem na casa daqueles que quase não têm o que comer. A ameaça de retorno do Brasil ao mapa da fome é a comprovação de que todos aqueles que se fantasiaram de patriotas para abalar o sistema democrático brasileiro e hoje preferem não se manifestar têm os seus corruptos de estimação. São políticos que podem ser tudo. Podem ser propineiros, ladrões, assassinos potenciais de delatores ("Tem que ser um que a gente mata antes" – Aécio Neves, 2017), contanto que não sejam petistas.
Minha amiga, paneleira convicta, não sabe onde foi que errou. Ela tenta culpar outros pelo seu equívoco. Sabe que errou, errou feio, ao participar de um golpe travestido de revolução, mas se exime da responsabilidade pelas próprias opiniões. Antes cheia de certezas políticas, hoje duvida dos jornais. Já é um começo.