O MPF fechou, no início do mês, um acordo de leniência com a J&F, a holding dos irmãos Batista. Fixou a multa em R$ 10,3 bilhões, a serem pagos em um prazo bastante confortável. Focamos nossa indignação no montante e nas condições oferecidas, e ignoramos outro absurdo: o MPF declarou que parte do dinheiro irá para Funcef e Petros, os fundos de pensão dos funcionários da Caixa e da Petrobras (R$ 1,75 bilhão para cada).
O texto da Lei Anticorrupção deixa alguma brecha interpretativa sobre o destino desse tipo de sanção. "A multa e o perdimento de bens, direitos ou valores aplicados com fundamento nesta Lei serão destinados preferencialmente aos órgãos ou entidades públicas lesadas".
Apesar desse texto mal escrito, Funcef e Petros não são órgãos nem entidades públicas. Ou seja, não deveriam estar recebendo esse dinheiro. Mesmo que a lei dissesse o contrário, deveríamos estar indignados com o fato de duas entidades de natureza privada estarem sendo privilegiadas nesse acordo.
A Amec, que faz importante trabalho representando acionistas minoritários, foi uma das poucas organizações da sociedade civil a se manifestar contra essa destinação. Pelos motivos errados. Protestou porque apenas os grandes acionistas das empresas subordinadas à J&F seriam recompensados. Ora, esse não deveria ser o instrumento para ressarcir acionista algum. Trata-se de devolver o que é de todos os brasileiros. Todo o montante deveria ser destinado ao Estado.
Se Funcef e Petros foram aparelhados politicamente e tiveram seus diretores corrompidos com propinas dos irmãos Batista, isso é outro problema, privado, de governança dos fundos e das empresas investidas. Que briguem na Justiça depois, contra esses diretores e contra a J&F.
Não podemos mais tolerar essa confusão entre público e privado no Brasil. Não é porque a Petrobras tem o Estado brasileiro como grande acionista que o fundo de pensão de seus funcionários é público. Pelo contrário, precisamos incentivar que os participantes de fundos de pensão defendam seus interesses privados da maneira certa, elegendo dirigentes legítimos, controlando a gestão dos recursos, fazendo uma governança ativa. Só não dá para aceitar que fiquem com nosso dinheiro.