Agora que as críticas ao suposto "pacote de bondades" preparado pelo Planalto se disseminaram, talvez fique mais difícil tirá-lo do papel. Se a liberação das contas inativas do FGTS fez bem para a economia, outras iniciativas cogitadas para integrar esse novo embrulho seriam bondosas apenas para um presidente em perigo.
Depois de defender medidas duras – como teto dos gastos, reformas trabalhistas e previdenciária – sob argumento do ajuste, abrir mão de receita não é apenas contraditório. É contraproducente na perspectiva econômica e reprovável do ponto de vista político. Embora a liberação das contas inativas tenha ajudado a movimentar varejo e serviços, pelo que se viu nas estatísticas de abril, não fez nem cócegas na cadente popularidade do presidente Michel Temer. A economia não pode virar trincheira de defesa de um mandato que se esfacela.
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Para não poucos brasileiros, qualquer ajuda na dura trajetória do fundo do poço até o nível do mar pode parecer tentadora. O risco do movimento é, na tentativa de pavimentar a subida, de que se abra um buraco maior ainda. Isso para ficar apenas no terreno da racionalidade econômica e não avançar sobre a ética do poder.
Além de desafiar sua coerência, se o Planalto der os sinais errados, terá de encarar forte reação de um poderoso agente que, até agora, foi aliado ou neutro: o mercado financeiro. Ao primeiro sinal de descuido fiscal, dólar e juros futuros decolariam.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usou uma palavra difícil sobre o risco embutido no agravamento das crises política e econômica: anomia. O dicionário informa que é "ausência de leis e de ordem", mas é o popular vale-tudo. Na mesma frase, FHC aponta falta de legitimidade, ou de consentir em obedecer reconhecendo que a autoridade é legítima.