* Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF)
Essa expressão – insatisfação – retrata a realidade? Talvez seja fraca. Seria melhor dizer mal-estar, desprezo, desconsideração, desconfiança, rechaço, ódio etc.? O fato é que ela e as demais expressam o sentimento de diferentes grupos ou indivíduos. Uns, mais radicais. Outros, menos. Mas todos com suas restrições.
A percepção da maioria, de forma geral, é de insatisfação de diferentes graus.
Por que tudo isso? Há muitas hipóteses para explicar. Será que as políticas públicas são más e, assim, os políticos são incompetentes?
O jornal espanhol El País publicou matéria sobre os "Paradoxos do progresso: dados para ser otimista". Conclui que dados objetivos não autorizam a percepção radical da população. Refere ao levantamento feito pelo Instituto Motivación, pelo qual 87% da população mundial acredita que nos últimos 20 anos a pobreza global manteve-se a mesma. Arrola dados, em termos mundiais, sobre ser essa ideia falsa: aumentou o tempo de vida média; a mortalidade infantil declinou a um quarto do que era; a pobreza extrema foi reduzida em 75%; em 1980, 44% da população era analfabeta, hoje são 15%.
Há mais números que demonstram a distância entre a percepção e a realidade. Claro que há períodos com oscilação para baixo que não modificam uma progressão continuada. Esses números não nos dizem estamos bem. Dizem, isso sim, que avançamos. Então, por que a percepção negativa ou o desconhecimento do avanço? O que se passa?
Primeiro, porque formamos nossa percepção com os dados do momento – do curto prazo. Não fazemos comparações com o passado, que era pior, pois vivemos no presente. Segundo (conforme o El Pais), o confronto entre percepção e dados não passaria de mero debate, se não fora o uso político dessa percepção: E, então, aparecem os populistas. "Como tudo piorou, devemos mudar o sistema". Eles querem a população "com medo e divulgam mitos sobre ameaças". (São auxiliados pela mídia, pois a "grande matéria" é a desgraça).
Na Europa, por exemplo, apontam a imigração como fonte de todos os males.
Querem muros e posturas "fortes". Sustentam que a expulsão dos imigrantes e a proibição da imigração trará a felicidade. Alimentam o voto de protesto, pois será deles. A sociedade polariza-se. A intolerância toma conta do discurso. O ódio emerge. Há desejo incontornável pela retaliação. Ela – a retaliação – é que satisfaz. Mas, na verdade, nada constrói. Pelo contrário, não percebemos que, nessa linha, avançamos para o retrocesso e o desastre.
Queremos a felicidade sem qualquer inclinação individual para construí-la.
A construção é obrigação dos "outros".