* Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF)
Em 1845, o Parlamento do Reino Unido (Aberdeen Act) autorizou navios britânicos a apreenderem, no Atlântico, quaisquer embarcações com escravos. O Brasil cedeu à pressão. Começou o enfrentamento legislativo da escravidão negra. Em 1850, a Lei Euzébio de Queiroz proibiu a entrada de africanos escravos no Brasil. Estima-se que, de 1801 a 1850, chegaram ao Brasil 1.870.000 escravos. O IBGE tem que a população, em 1800, era de 3.250.000 e, em 1850, de 8 milhões. Entre 1846 a 1850, trouxeram para o Brasil 257.500 escravos. Com a Lei Euzébio de Queiroz, houve redução. Entre 1851 a 1855, entraram 6.100.
Em 1871, veio a Lei do Ventre Livre. "Os filhos de mulher escrava" que nascessem "no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre". Os menores passaram a ficar "em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães". Atribui-se aos "senhores das mães a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos".
Em 1885, foi a vez da Lei dos Sexagenários. Foram liberados "os escravos de 60 anos de idade, completos antes e depois" da lei. Ficaram os libertos "obrigados a título de indenização pela sua alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo espaço de três anos". Os maiores de 60 e menores de 65, quando atingissem esta idade, não ficavam sujeitos aos serviços.
Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel, como Regente, sanciona a L. 3.353 – a Lei Áurea: "É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil". Decretou-se, nessa data, a extinção jurídica da escravidão. A questão, após, é sua extinção como fato social.
Aqui emerge o racismo à brasileira. Para Roberto DaMatta, com razão, o nosso racismo se manifesta de forma "implícita, disfarçada e de difícil discussão". Enfim, oculta. Temos, o que Florestan Fernandes chamou de "preconceito de ter preconceito". Diz, mais, DaMatta, que, nos Estados Unidos, a classificação racial é nítida: ou se é negro, ou se é branco. O Brasil "privilegia o meio-termo e a ambiguidade". Aparece uma graduação que vai do "bem negro" ou "menos negro": mulato, amorenado, branco brasileiro. Há como uma supressão, maior ou menor, da negritude em direção aos padrões do branco. É o comportamento individual que altera a classificação. A conduta e o "estar no mundo" atua como elemento definidor.
Quem já não ouviu ou não usou a expressão "aquele é um negro com alma branca"? A dissimulação impede o enfrentamento eficaz do racismo à brasileira. As ações afirmativas que visem à instauração da igualdade real, atual e mensurável, têm opositores. Com elas procura-se reduzir diferenças culturais, econômicas e de oportunidades. Mas sustentam seus opositores que, por serem uma ruptura da igualdade, não podem ser utilizadas. As questões operacionais que podem surgir na implantação de ações afirmativas devem ser enfrentadas, sem impedi-las. Tudo porque a igualdade de hoje é perante a lei e não na sociedade.