* Psicóloga
Um dia desses, ao realizar um grupo com pacientes transplantados, visando promover o intercambio de experiências e informações que possam contribuir para a qualidade de vida pós transplante, emergiu um assunto , que é bastante comum nos grupos, mas que desta vez assumiu uma proporção diferente pela maneira como foi abordado.
Um paciente refere que teve muita dificuldade em conseguir um trabalho após o transplante, porque as empresas não querem contratar pessoas com esta característica, devido a terem que, eventualmente, ausentarem-se para consultas, ou terem uma internação por intercorrência, e também por considerarem sua saúde, frágil.
Comenta que nas entrevistas de seleção, estas tomam outro rumo quando é informado que realizaram um transplante de órgãos. No caso em questão, o paciente foi perseverante, e conseguiu colocar-se, talvez porque um dos entrevistadores, na empresa que o aceitou, tinha uma deficiência física, e assim, pode ser empático para com ele.
Esta situação vivida pelos pacientes transplantados sempre me mobilizou, e fico me perguntando: como encontrar soluções?
Há algumas hipóteses possíveis para alguém, que sobreviveu a uma doença crônica e, em alguns casos, terminal, conseguir sobreviver aos pré-conceitos e à desinformação da sociedade, principalmente no que se refere ao mercado de trabalho.
É perfeitamente compreensível que o empresariado deseje contratar os melhores, num mercado competitivo, e ter o maior retorno possível para o seu investimento. Para isso basta pensarmos em como selecionamos um prestador de serviços de forma particular. Mas será que, justamente pelo fato de haver uma limitação escancarada (sim porque todos nós temos alguma, mesmo que não a declare), não faz com que uma pessoa se esforce muito mais para ter seu valor reconhecido e possa produzir muito mais e melhor do que aquele que se vê imune a uma avaliação pré-conceituosa?
Todos precisamos do trabalho, sob o aspecto financeiro, de satisfação pessoal e de identidade. Já deve ser bastante difícil, alguém, principalmente se jovem e em fase produtiva, ter de mudar de atividade, às vezes abandonar uma vocação, devido à incompatibilidade desta para com a condição de transplantado. E junto a esta elaboração, ter de buscar outra formação (aprendizagem e treinamento) para poder competir no mercado.
Uma alternativa é procurar manter-se recebendo o benefício do Estado, o que traz outras consequências. Do ponto de vista do Estado, este propicia o transplante através do SUS, o tratamento imunossupressor, e também o benefício ou auxílio doença. Mas, se é avaliado que o paciente tem condições para o trabalho, o benefício cessa, e a perspectiva é de que este seja um dos aperfeiçoamentos no sistema, que será buscado para restaurar a saúde da Previdência Social, que agoniza, segundo anunciado.
E então me pergunto: Como irão viver os transplantados? Que qualidade de vida poderão ter? Viver sem renda e estressado baixa ainda mais a imunidade, acarreta mais intercorrências, mais internações pelo SUS... uma bola de neve, morro abaixo.
Vislumbro uma alternativa para amenizar esta situação: fazer valer a lei que proíbe a discriminação nas seleções para o trabalho. "Equal opportunity employer", como é colocado em todos os anúncios nos países do primeiro mundo, onde as denúncias por discriminação são averiguadas, podendo haver mediação ou punição, quando procedentes. E haver, no mesmo órgão governamental que fiscaliza a legitimidade da concessão do benefício, um departamento de auxílio à recolocação do indivíduo no mercado de trabalho, sendo esta, uma condição para retirar-lhe o benefício.
Prolongar a vida condenando à miséria os pacientes ou o Sistema de Saúde, não me parece algo aceitável!