Meu colega Ticiano Osório escreveu sobre o gaúcho Paulo Ricardo Carneiro Amaral, que levou toda a indumentária gauchesca para a bancada do MasterChef 4 na terça-feira, na Band. Amaral causou uma certa vergonha alheia em parte do RS, onde me incluo - manifestada por comentários nas redes sociais. Foi a primeira vez que vi o programa. A minha vergonha alheia foi por esse estereótipo do bá, do chimarrão, da pilcha, da guaiaca e da prenda, que faz uma boa parte do país achar que a gente anda assim na rua. E só. Meu ponto. Resumido em dois tuítes. E, ingenuamente, achei que a reação dos conterrâneos na internet - e da minha bolha - iam parar por aí.
Acordei e deparei com uma discussão sobre o comentário machista - para Ticiano, com aspas; pra mim, sem aspas - do gaúcho. Pra mim, muito bem respondido pela Paola Carosella. Não achei que fosse dar pano pra manga neste Dia Internacional da Mulher. Pois bem, contextualizemos e problematizemos, então. Eu realmente não queria, mas é preciso abrir uma discussão sobre o que é um comentário machista.
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Jacquin e Henrique Fogaça foram os primeiros a experimentar o prato do gaúcho, um descabido frango ao molho de maracujá acompanhado de abacaxi com canela. Não ouvi nenhum elogio aos atributos físicos dos dois chefs enquanto se aproximavam para a degustação. Amaral disse que o prato era exótico aqui no Sul; Jacquin respondeu que era de outro planeta. Fogaça fez umas piadinhas com uns "bá, guri", experimentou a comida e pronto. Quando Paola se aproximou, Amaral ajeitou o mate, estufou o peito e lascou um "a prenda do MasterChef" e "uma mulher linda, uma moça linda", numa clássica representação do machismo introjetado que nos "elogia" pra tentar conquistar um espaço de aproximação pelo constrangimento. Senti um pouco de incômodo, mas ok.
Amaral emendou que a chef argentina é muito bem quista por aqui, porque somos carnívoros - afirmação com a qual a chef concordou. Faceiro, emendou que era açougueiro e que se identificava com Paola por entender de "cortes de carnes". A chef ficou séria e perguntou se era porque ela era um pedaço de carne. Ele sorriu sem jeito e largou um "mas bá, guria". A chef sorriu, se voltou para o prato, pediu um chimarrão - entupido, por sinal. Paola consertou o mate e seguiu o baile.
O problema está nos argumentos: "Mas ela não é uma chef argentina especialista em carnes?", ouvi nesta manhã. "Se ela respondeu desse jeito, deve ter sido porque a relação com o trabalho dela não estava tão explícita assim", respondi. "A interpretação dela não faz ser um comentário machista", foi a tréplica.
Homem, não me diga o que é um comentário machista.
Por esses argumentos, nossas reações serão sempre consideradas exageradas. Não podemos argumentar quando nos sentimos ofendidas. Não podemos responder como Paola respondeu porque, dizem os argumentos, ele só estava falando indiretamente sobre o trabalho dela. Dizer que ela é prenda e linda não é nenhum adjetivo relacionado ao trabalho dela. Os adjetivos relacionados ao trabalho seriam: "Que ótima chef você é!, "Admiro seu trabalho", "Pela sua experiência, você é uma referência para quem trabalha com carnes, como eu" ... Mas ela, pelos argumentos que eu ouvi, deveria ter adivinhado isso. E não ter respondido.
Mas é 2017. E vamos reagir. E argumentar. Até que precisemos parar de explicar o que são comentários machistas.