por Gabriel Brust
Jornalista brasileiro radicado na França. Mestre em sociologia pela Université Paris-Descartes
Sartre dizia que sua avó materna não acreditava em nada, uma católica tão desconfiada que o "ceticismo a impedia de ser ateia". O neto se tornou tão ateu que acabou acreditando em coisas piores, como o maoísmo. Pesquisas revelam o tempo todo a profunda descrença do brasileiro na classe política. Ainda é pouco. O Brasil atual nos mostra que vai precisar de uma dose quase letal de ceticismo, para, ainda que cambaleando, recobrar forças vacinado contra novos populismos.
"A esperança é o maior dos riscos", nas palavras do ex-ministro socialista francês Emmanuel Macron, citando Georges Bernanos no lançamento de sua candidatura. Macron saiu do governo Hollande e do armário, agora propondo abertamente sua agenda liberal para a economia – pecado que outrora faria a ateia sociedade francesa recriar as fogueiras inquisitórias para queimá-lo junto a livros de Hayek. A França dá sinais de que pode estar mudando. O Brasil também deu, mas os sinais duraram pouco.
A revelação dos sucessivos casos de corrupção, as manifestações antipartidos nas ruas, o impeachment firme depondo uma força política que cresceu à base de falso moralismo – tudo isso parecia compor a demonstração de um tardio amadurecimento político da sociedade brasileira. Papai Noel não existe, e isso é bom. A esperança é um risco desnecessário.
Base do pensamento conservador clássico, o sentimento de desconfiança em relação a governos aparecia como esboço nos movimentos que foram às ruas. Mas uma certa propensão infantil a idolatrar figuras políticas se encarregou de apenas inverter o sinal da equação, como atestam o adesismo festeiro do Movimento Brasil Livre aos governos Marchezan e João Doria ou o culto online a Jair Bolsonaro, que não deixa nada a desejar ao lulismo ferrenho. Na marcha contra a informação, o "fake news" da direita é o novo "imprensa golpista" dos anos PT.
A eleição francesa de abril pode ter um segundo turno sem os dois tradicionais partidos que se alternam no poder. O candidato socialista deve ser punido pelo fracassado mandato de Hollande; o candidato republicano foi abatido em pleno voo por um caso de corrupção. François Fillon empregava mulher e filhos em cargos estatais onde nunca bateram ponto.
A alternância entre dois partidos democráticos, um de centro-esquerda, outro de centro-direita, ambos avessos a extremismos, é uma vitória do ceticismo, de uma sociedade que sabe que a salvação nunca vem daqueles que prometem o paraíso imediato através de medidas radicais. Este bipartidarismo informal poderá ser abalado na eleição de abril, mas possivelmente pela "terceira via" de Macron, não pelos extremos. Na França, as políticas públicas dos dois partidos opositores os tornam mais próximos entre si do que dos dois extremos – a esquerda psolista de Jean-Luc Mélenchon e a direita reacionária de Marine Le Pen.
Sobre Le Pen, também pesa uma acusação de corrupção , mas seus eleitores não debandaram. Thierry Ménissier, especialista francês na obra de Maquiavel, explica: "Ela não perde votos porque se apoia em uma mitologia cujos critérios de probidade não são os mesmos aos olhos de seus eleitores". Le Pen "assume seu comportamento desonesto, mas o pacto maquiavélico entre ela e seus eleitores segue intacto". No Brasil, a reação possivelmente histérica ao inevitável avanço das investigações da Lava-Jato sobre Lula nas próximas semanas deverá render uma bela demonstração desta submissão voluntária, apaixonada e abominável descrita por Ménissier.