A saudade brilha no coração de todas as ausências. É a expressão da gratidão ao nosso passado, saudade da casa da infância, uma professora, um amigo ou um cachorro. A saudade tem a ver com a melancolia e a nostalgia, é um labirinto, o palco de um jogo que nos domina. Precisamos matar a saudade para que ela não nos mate. Ao matar a saudade do passado, estamos trazendo o que passou para o presente. De um olho da saudade cai uma lágrima pela ausência e do outro olho brota um sorriso pela presença.
É comum se dizer que o tempo passa. Se há algo que a psicanálise tem a nos ensinar é a existência de um tempo que não passa. É o tempo do inconsciente – do que está em nós e não sabemos –, que não passa porque é um passado presente. Aí estão os sonhos noturnos que nos lembram do passado ou as identificações que nos formam a partir de pais e avós que nos determinam. O tempo do inconsciente não passa, pois é um tempo atemporal, em que passado, presente e futuro se integram sem distinções. Outro tempo é o tempo dos anos, e agora já são seis anos que o médico e escritor Moacyr Scliar partiu.
O mês de março nos traz à memória o autor de O Centauro no Jardim, que por décadas nos encantou. Quem abria este jornal ou a Folha de S. Paulo, revistas e dezenas de livros, podia se encontrar com o Scliar, que estaria fazendo agora 80 anos. Logo, todos os seus leitores, amigos, familiares, todos juntos podemos matar a saudade dele. Tive a felicidade de ser seu primo, e quando ele morreu descobri que fora um irmão da vida. Via pouco o Mico, apelido familiar, mas sempre tínhamos o que falar. Literatura, psicanálise, judaísmo, vida pessoal. Depois a internet facilitou as conversas. No dia do seu enterro, o Beto, seu filho, veio me dizer que seu pai lia para ele alguns dos meus e-mails. Os e-mails fraternos eram uma forma fácil de nos encontrar e matar a saudade. Hoje mato a saudade lendo ou relendo seus livros.
No seu livro autobiográfico O Texto, ou: a Vida, escreveu sobre o sonho de todo escritor. Um sonho de ter pessoas que o espiam sobre seu ombro para ver o que ele está escrevendo. Então imaginou que estavam ali seus pais, os professores, o Saci-Pererê, o Tarzan, Emília, Negrinho do Pastoreio, os macabeus, os piratas, e todos estavam em silêncio. Agora somos nós que podemos imaginá-lo sorrindo em silêncio. Creio que o Moacyr Scliar, mesmo morto, segue vivo aqui, no Brasil e no mundo.