Quando pequeno, enlouquecia meu pai pedindo para repetir um passeio. O problema era que eu nunca sabia dizer bem onde fora. Lembrava do trajeto, era uma trilha em um mato, subindo um morro íngreme. Quando chegávamos, abria-se uma vista magnífica e do outro lado descortinava-se um cenário novo, com pedras de várias cores e uma vegetação diferente da habitual.
Esse lugar que alcançávamos era um nicho ecológico atípico, distinto de tudo que era usual em nosso Estado. Na minha cabeça, era próximo de Soledade, tanto por ser uma cidade perto de casa como por ser onde descobrem-se pedras incríveis, portanto um lugar geológico condizente. Tentando fazê-lo recordar, acrescentava que lá comemos, acompanhado de guaraná, o melhor cachorro- quente do mundo. Meu pai quebrava a cabeça e não recordava onde tinha me levado.
Com a idade, me dei conta de que nunca fiz esse passeio, torturei meu pai em vão. De fato, esse cenário era uma colagem de percursos reais, somados com paisagens que vi em enciclopédias, ou em filmes, temperados com minha imaginação. Para um menino pequeno que passeia com seu pai, meia dúzia de macegas é como a Mata Atlântica, um capão é maior do que a Floresta Amazônica. Cem metros mato adentro são um safári com mil perigos, uma trama de significados extraordinários, metade ciência, metade magia. O maior tesouro de um homem são as lembranças das primeiras andanças com seu pai.
Na faculdade, descobri que inventamos memórias. Freud dizia que essas falsas memórias eram recordações encobridoras: verdadeiras pela força do que diziam, falsas porque criadas a posteriori. Porém, elas nos retratam melhor do que a verdade factual. No meu caso, diziam do momento supremo de proximidade com meu pai, antes de os meus irmãos chegarem. Éramos só nós dois, exploradores audazes, enfrentando os desafios da natureza selvagem.
Um dos truques mais simples para saber se uma memória é inventada é se nos vemos na cena. Se nossa memória é como uma foto, ou como um filme onde estamos presentes, trata-se de uma criação. Nas memórias verdadeiras, nós somos a câmera, não o objeto. Nem é preciso dizer que essa minha recordação era uma epopeia cinemascope, com este que vos conta no papel principal.
Sei quando a saudade do meu pai bate mais forte porque agora sonho com esse passeio feérico. O enredo é quase sempre o mesmo: olho outra vez a deslumbrante paisagem ao longe, descubro espécimes de plantas nunca vistas antes pelos biólogos, vejo animais ainda não classificados pelos cientistas. Refaço os passos seguros de quem se sente cuidado e sinto o abraço da floresta como se fosse paterno. A selva segue fascinante, mas não podemos demorar-nos muito, pois mais abaixo aguarda o melhor pastel com guaraná do mundo.