Não resta dúvida de que a coalizão que está no poder no Brasil hoje age para estancar a sangria causada por investigações como a Lava-Jato. Até certo ponto, a contenção de danos é uma parte da arte de governar. É difícil imaginar um governo que funcione – em qualquer país do mundo – sem praticá-la. Há, no entanto, situações que ultrapassam a barreira da simples contenção de danos, e que deveriam despertar a ira de qualquer cidadão, como as indicações de Moraes e Moreira Franco.
Tenho procurado fazer um autoexame honesto acerca do fato de eu não estar tão irado quanto uma parte de minha consciência gostaria. Concluo que parte desse comportamento se deve à recepção de sinais contraditórios sobre esse governo. Quando vejo a Selic caindo, meu lado empreendedor, meu lado que ainda acredita, vibra. Minha consciência econômica manda uma mensagem autoritária à minha consciência democrática: os fins justificam os meios. Se esse governo conseguir diminuir juro controlando a inflação e ainda fizer alguma daquelas reformas que o PT teve mais de uma década para fazer e não fez, já valeu a pena – diz o diabinho.
O anjinho responde agitado, dizendo que governar precisa ser mais do que institucionalizar as relações profundas de dominação que sempre existiram nesse pedaço de planeta. Um governo no Brasil, para ser bom, precisa fazer mais do que criar maneiras de cristalizar na Lei e nas instituições os privilégios de certos grupos de poder. Precisa mudar as estruturas, que são perversas. E esse governo – claramente – não tem esse compromisso. O anjo pergunta: você é realmente empreendedor ou apenas alguém que se aproveita do status quo para parecer descolado? Não passa de um retrógrado enrustido, brada.
É só nesse momento que consigo separar de mim as duas criaturas. Volto, então, a aceitar que aquilo que nos separa das próximas revoluções que vão mudar o mundo são fatores estruturais. Governado por A ou por B, somos um país fechado, que quase não transaciona valor agregado. Temos um déficit educacional enorme. Um déficit de infraestrutura que só vamos conseguir superar vendendo a alma para uma nação superpoderosa. Uma previdência que quebrou de tanto ser sugada pelas elites. Um pacto federativo que não é um pacto. Quanto ao déficit de amadurecimento das instituições, que antes julgava ser o mais importante, já não consigo mais opinar.
Artigo
Igor Oliveira: o autocrata dentro de mim
Sócio da Semente Negócios
Igor Oliveira
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