A questão da igualdade de gênero no mercado de trabalho é mais do que simplesmente salário. O debate tem relação com um movimento maior, que vem discutindo a posição da mulher na sociedade e as discriminações que ainda sofre atualmente. No entanto, o rendimento monetário aparece, neste contexto, como uma espécie de evidência de todo o resto.
Para verificar se existe diferença salarial entre homens e mulheres, deveríamos comparar profissionais iguais em absolutamente tudo (características pessoais, formação, perfil de trabalho etc.), menos o gênero. Ou seja, um homem e uma mulher que são idênticos em características e história de vida. Então, qualquer diferença de remuneração que permaneça, a despeito de eles serem tão parecidos, deve ser atribuída à única coisa que diferencia estes profissionais: o gênero.
Acontece que comparar indivíduos aleatoriamente não faz sentido científico. Sempre haverá o primo do vizinho do amigo que tem uma história diferente – e isso não corrobora conclusões gerais. As médias soltas também não servem. É necessário que se recorra a métodos estatísticos que tomam uma amostra grande de pessoas, avaliam e controlam as características individuais e de contexto do grupo como um todo, e estimam o que explica os diferenciais de salários para aquela população em particular. Chamam-se métodos de decomposição.
A literatura especializada é repleta de trabalhos que aplicam este método. Os resultados, em geral, apontam que boa parte do diferencial de salário é explicada por características individuais observáveis: idade, formação, perfil do emprego, horas de atividade domésticas, tipo de família, filhos, entre outras. Mas, mesmo assim, uma parcela do diferencial de salário ainda não se consegue explicar plenamente com aquelas características observáveis. Por não haver outra justificativa, alguns autores chamam a parcela não explicada de discriminação.
Moral da história: existe, sim, diferenças salariais na sociedade brasileira que não se conseguem explicar por características que não o gênero. Não me parece despropositado chamar isso de discriminação. Além do mais, algumas das próprias características observadas são questionadas enquanto explicativas justas do diferencial de salário, como o número de horas em afazeres domésticos.