Há 15 dias, escrevi aqui neste espaço que o eleitor no Brasil, entre esquerda e direita, tinha escolhido a realidade. Afirmei que os rótulos ideológicos, reducionistas por definição, já não conversam com a grande maioria dos cidadãos. Uma semana depois, assistimos boquiabertos à eleição nos EUA, ampliando a percepção de distanciamento entre analistas políticos e o pensamento médio do cidadão comum. Um desastre como a eleição de Donald Trump é como uma queda de avião: nunca acontece só por uma razão. É preciso que uma série de fatores ocorram em conjunto, ao mesmo tempo, para que a tragédia se concretize. No caso da eleição americana, conjugaram-se a antiglobalização, o machismo, o empobrecimento do interior agroindustrial, os defeitos da Hillary e um sem número de outras variáveis. Mas o que anda acontecendo no plano eleitoral, em todos os lugares, é muito maior do que isso. O fato é simples: o mundo cansou de políticas e candidatos enlatados. É claro que as pesquisas erraram, mas quantos de nós imaginamos que um candidato com uma plataforma preconceituosa, xenófoba e raivosa pudesse ser tão vitorioso? Nosso olhar também está enlatado, óbvio, burocrático. O voto envergonhado explica o erro da pesquisa ou as pesquisas já não captam o que está acontecendo? E o que está acontecendo, afinal?
Arrisco um palpite: o comportamento online está influenciando e modificando o comportamento offline. Hoje em dia, nas redes sociais, qualquer loucura tem eco e grupo de apoio. Racistas, machistas, ditadores e mentecaptos políticos sabem que há outros como eles dando rajadas de opiniões – e até votos – contra tudo e contra todos. Não há mais porque ter vergonha ou medo de qualquer posição política. Agora é possível assumir sua doidice por inteiro, porque sempre terá um grupo social na internet para dar voz e acolhida. E o algoritmo retroalimenta essa sensação de cumplicidade ativa, fazendo com que alguém só veja e seja visto por aqueles que pensam igual. No mundo digital, as minorias soam como maiorias para elas mesmas. E isso as encoraja a tal ponto de se unirem em momentos catárticos como uma eleição, em que a manifestação da urna é tão anônima, solitária e "justiceira" como um comentário apócrifo na internet.
A internet pode fazer surgir o melhor e o pior do ser humano. Uma eleição, também.