Nos resultados eleitorais deste ano, há quatro análises que podem ser feitas. Três delas, óbvias: o enfraquecimento do PT, a vitória do "não-voto" e uma certa tendência na escolha de candidatos apolíticos ou que se distanciaram da política tradicional. Todas aconteceram sob efeito da descrença, que originou o maior número de abstenções, brancos e nulos desde a redemocratização do país. Mas há uma quarta análise menos aparente, e que reputo como a de maior impacto no resultado: a de que, entre esquerda e direita, o eleitor escolheu a realidade.
Os rótulos ideológicos, reducionistas por definição, já não conversam com a grande maioria dos cidadãos. Claro que o debate político entre esquerda e direita é necessário e importante e seguirá balizando análises. Mas ele serve para as páginas de jornais, não anda na rua, não compra pão e nem vai na manicure. As redes sociais, a velocidade da informação, a sobreposição de fatos e versões e o poder transformador do celular, tudo isso gerou um eleitor que evoluiu mais rápido do que os políticos e os analistas. Só que a realidade deste eleitor ficou invisível na atual narrativa política. É isso que explica, inclusive, a falta de contextualização e de posicionamento corretos de certas candidaturas. "O Doria é o candidato dos ricos", diziam em São Paulo, enquanto o milionário ganhava em Capão Redondo, um dos bairros mais pobres da capital paulista. "A esquerda não vota na direita e vice-versa", diriam antes de perceber que metade dos eleitores da Luciana Genro votou no Marchezan no segundo turno ou que Freixo pegou votos até de eleitores do Bolsonaro. Dentro da ideologia da realidade, votar Luciana e Marchezan é dos votos mais lógicos desta eleição, mas isso alguns jamais perceberão, cegos pela leitura politizada e distante da vida comum do cidadão comum. Esse processo se iniciou lá em 2006, quando eleitores de Alckmin no primeiro turno votaram no Lula no segundo turno, e evoluiu com o maior acesso à informação e de manifestação originado pela força e penetração das redes sociais. Enquanto analistas, jornalistas e militantes apontam falta de coerência, o cidadão nem enxerga que ela esteja faltando e pouco se importa com isso. Dizer que houve uma onda conservadora tampouco explica qualquer coisa, pois este termo é aplicado como um chavão simplista para carimbar ideologicamente algo que não faz o menor sentido para o eleitor médio.
A quase maioria dos eleitos, os equívocos dos derrotados, o enfraquecimento do PT e até mesmo a onda de abstenção, brancos e nulos podem ser explicados numa síntese parafraseada da famosa citação de James Carville: "é a realidade, estúpido".