Com enorme ênfase e indubitável acerto, o mês de outubro vem sendo pintado de cor-de-rosa há vários anos, evidenciando a importância do diagnóstico precoce de uma doença que apresenta 596 mil novos casos no País, a cada 365 dias, dos quais quase 10% dizem respeito especificamente às mamas. As iniciativas são mais do que relevantes, e trazem como resultado uma conscientização quanto aos riscos e principalmente sobre as formas de prevenção e diagnóstico. Precisamos fazer crescer ainda mais o acesso à realização de mamografias e todas formas de constatação precoce da doença, capazes de reduzir a mortalidade advinda do câncer.
Não me formei em medicina nem tenho o hábito de furungar contumazmente as verdades, descobertas e diagnósticos do Dr. Google. Encaro a medicina com o respeito que a ciência merece e delego aos médicos o exercício pleno, consciente e eficiente de suas funções. Acredito em seu conhecimento, sigo suas orientações e isso me basta como conduta. Sou, no sentido pleno do termo – paciente – e me porto como tal.
Em setembro de 2012, recebi o diagnóstico de um câncer de ovário. Estágio avançado. A princípio não acreditei, sempre vivi de forma saudável, pratiquei esportes, controlei o peso, tive equilíbrio emocional e familiar, me alimentei corretamente, nunca fumei mais do que alguns cigarros exibicionistas na adolescência. Portanto, peço que se evite a leitura superficial de que pouco importa observar as práticas de um cotidiano saudável e regrado. Foi precisamente este cotidiano saudável e regrado de décadas que me permitiu superar com qualidade, disposição, sem dor e sem para-efeitos graves as durezas destes quatro anos de tratamento contínuo.
Na qualidade de paciente, e com todas as limitações inerentes a esta condição, proponho a quem pensa e atua na área da saúde: por que não acrescentar aos tons de rosa do mês de outubro uma pincelada de roxo, laranja ou verde, a cor que se julgar mais adequada, apontando para um tipo de câncer-primo da mama, que chega a acometer 250 mil mulheres por ano no mundo todo: a neoplasia de ovário.
Mais agressivo dos cânceres ginecológicos, chamado de "silent killer", ou assassino silencioso pelos americanos, o tumor de ovário raramente é diagnosticado em seus estágios iniciais. Sua mortalidade atinge 140 mil óbitos/ano. Assintomático, não se manifesta ao longo de sua maturação, e quando chega a expressar seus sintomas já incorre em consequências danosas à saúde de suas portadoras.
O sistema de saúde brasileiro, pressionado por problemas bastante quantitativamente mais numerosos, estrangulado por recursos invariavelmente pequenos frente às grandes demandas da sociedade, não oportuniza o sequenciamento genético ou estudo precoce do câncer de ovário, mesmo que existam evidências no histórico familiar. O esforço nacional na detecção dos fatores genéticos predisponentes, como o BRCA1 e BRCA2 garantiriam um serviço vital para a população-alvo.
Ao lado de pesquisadores do mundo todo, responsáveis por pesquisas que já oferecem terapias-alvo e outras formas de tratamento específicas para mulheres afetadas por este mal, a atriz Angelina Jolie prestou um imenso serviço à causa. Ao realizar cirurgias preventivas, extirpando mamas, ovário, útero e trompas, ao falar sobre a doença, fez luz onde somente havia silêncio e trevas. Deu visibilidade à causa, expôs a chaga, exibiu seu caso e gritou para que todas as mulheres a ouvissem: cuidem-se! Observem, saibam mais sobre a saúde de suas mães, tias, avós, pais. Peçam aos agentes de saúde, exijam, clamem pelo direito de não chegar ao nível da doença instalada.
Que o outubro rosa se pinte de outras cores, e contemple neste leque de prioridades uma doença mortal, grave, comum e sinistramente silenciosa.