Infelizmente, foi preciso mais um crime bárbaro para que o governo Sartori e as demais instituições do Estado saíssem do Estado de letargia em que se encontravam em relação à crescente onda de criminalidade nas cidades gaúchas. O covarde assassinato de Cristine Fonseca Fagundes, na tarde de quinta-feira, nas proximidades do colégio do filho em Porto Alegre, somou à dor imensurável dos seus familiares um sentimento de revolta e indignação tão grande por parte da população que o governo decidiu se mexer: o secretário de Segurança Wantuir Jacini foi exonerado e o governador Sartori recorreu ao governo federal para pedir ajuda financeira e o reforço da Força Nacional de Segurança.
Tais medidas, porém, são insuficientes para tranquilizar a população. Os gaúchos só poderão ficar mais tranquilos quando todos poderes e instituições responsáveis pela segurança pública cumprirem adequadamente suas atribuições. Precisamos, sim, de um Executivo mais atuante e determinado, mas também de um Judiciário eficaz na punição dos delinquentes e de um Legislativo comprometido com a fiscalização e com a formulação de leis justas e rigorosas. Mais do que isso: precisamos também de investimentos no sistema prisional, para evitar que os delinquentes voltem à liberdade por falta de lugar e continuem praticando crimes. No aspecto repressão, é impositivo ainda que se fortaleça e valorize o trabalho das corporações policiais, garantindo-lhes treinamento, remuneração, efetivo e equipamento suficientes para o combate aos criminosos.
Assim como o Executivo está sendo cobrado justificadamente por ser o gestor do atual modelo de segurança que está falido, também o Judiciário precisa ser confrontado com a sua responsabilidade. E ela não se resume apenas ao polêmico prende-e-solta de delinquentes, tão criticado pelas polícias em decorrência do retrabalho e da reincidência dos marginais beneficiados pela soltura disfarçada de semiaberto. Depois da prisão, é impositivo que os autores de crimes tenham julgamento justo e sejam encarcerados pelo tempo necessário a livrar a sociedade de suas ações. O Judiciário gaúcho tem tradição e autoridade para fazer bem esse serviço. Poderia fazer mais, porém, assumindo a responsabilidade de administrar os presídios, uma vez que o Executivo vem se mostrando inoperante nessa missão.
Os presídios merecem um capítulo à parte nesta reflexão sobre a criminalidade no Estado. Hoje, todos sabemos, estão transformados em QGs do crime. Não oferecem a mínima chance de recuperação para os apenados que se amontoam em instalações precárias, muitas vezes comandando ações ilegais do interior de suas celas. A superlotação das cadeias tem sido utilizada como pretexto para decisões judiciais que liberam criminosos. Então, investir na construção de novas instalações prisionais é imprescindível e inadiável.
Todos os poderes e instituições públicas também precisam se debruçar sobre a questão das drogas, que talvez seja o principal foco gerador de criminalidade no nosso país. Enquanto os legislativos não aprovam uma política de drogas mais eficientes, rediscutindo a legalização de certas substâncias, é importante lembrar aos consumidores que eles alimentam a cadeia da criminalidade. Outro aspecto preocupante é que a leniência das autoridades no combate ao crime tende a gerar deformações como as milícias privadas e os esquadrões da morte, que eliminam suspeitos e difundem – muitas vezes com o apoio de parcela expressiva da população – a justiça pelas próprias mãos. Se persistir tal estado de coisas, o Brasil pode reproduzir barbáries como as que hoje são registradas em regiões como o norte do México ou mesmo crises institucionais como as enfrentadas pela Venezuela e pelas Filipinas. A violência descontrolada ameaça a própria democracia.
Independentemente do que acontece em outras áreas do Brasil, porém, o Rio Grande precisa enfrentar os seus próprios problemas. Temos que reagir à criminalidade. Não é possível que os bandidos continuem impunes, destruindo famílias, roubando e matando, provocando terror nas pessoas e debochando das autoridades. Ou reagimos, ou perecemos. Ou reagimos, ou nos conformamos em assistir à barbárie, sabendo que, cedo ou tarde, elas nos alcançará, e então nós é que vamos chorar. Por nossos familiares, por nossos amigos, por nós mesmos.
Não. Não somos covardes ou omissos. Covardes são os bandidos e drogados que roubam e matam porque a vida das outras pessoas, para eles, não vale nada.
Omissas têm sido as autoridades, que, com sua inação e com sua política depressiva, têm colocado o Estado de joelhos, têm deixado o cidadão desprotegido, têm faltado ao cumprimento das suas obrigações mais básicas.
Como vamos reagir? Evidentemente que não é fazendo justiça com as próprias mãos ou pegando em armas. Essas tarefas são das forças policiais, treinadas para tal enfrentamento. Temos que reagir como cidadãos, cobrando inflexivelmente dos governantes e das autoridades que cumpram suas atribuições, que protejam as pessoas, que punam os delinquentes, que equipem a polícia, que combatam o tráfico de drogas, que construam presídios, que sejam rigorosos no cumprimento da Justiça. Temos que nos mobilizar por educação, espaço público, justiça social, emprego e igualdade, para abortar a criminalidade no seu nascedouro.
Mas, acima de tudo, precisamos nos unir para gritar um grande e sonoro basta à violência no Rio Grande do Sul.