Ainda que a situação política do Brasil não autorize o país a se colocar como paladino da democracia, é compreensível a resistência da chancelaria brasileira à transferência do comando temporário do Mercosul à Venezuela. Se a legitimidade do governo interino brasileiro suscita dúvidas, o autoritarismo de Nicolás Maduro é translúcido: ele reprime a oposição e a imprensa livre, mantém presos políticos e encastelou-se no poder de tal forma, que manipula o Congresso e o Judiciário para perpetuar-se. Diante do impasse, e para preservar o que restou do Mercosul, acéfalo desde o dia 1º, os dirigentes de países do bloco estão desafiados a encontrar uma saída democrática.
Representantes de Argentina, Brasil e Paraguai elencam argumentos para impor restrições à passagem da presidência para a Venezuela. Entre os tratados não incorporados no sistema de leis do país membro, estariam o Protocolo de Assunção, que define o compromisso com direitos humanos, e o Acordo de Complementação Econômica 18, que fixa normas de integração no âmbito do bloco. A questão é que o Uruguai entende não haver argumentos jurídicos para o veto – e decisões nesse âmbito só podem ser tomadas por consenso.
Comunicado recente da chancelaria venezuelana sobre o caso dá uma ideia da excessiva politização do tema, ao insistir na tese de que os demais parceiros tentam fazer prevalecer "preferências políticas e ideológicas neoliberais". O Mercosul só tem condições de sobreviver, acima de diferenças ideológicas e de autoritarismos bolivarianos, se conseguir privilegiar os interesses comerciais. É esse o desafio que, no momento, está colocado para os líderes da região.