Causa estranhamento e desconforto a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que fragiliza a Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2011 sob intensa pressão da opinião pública e que passou a ser considerada um poderoso instrumento de combate à corrupção. Pela legislação de iniciativa popular, a Justiça Eleitoral ganhou respaldo para barrar a candidatura de políticos condenados em segunda instância, sem a necessidade de aguardar o julgamento definitivo. Assim, as condenações de prefeitos e governadores por tribunais de contas passaram a ser suficientes para enquadrá-los na lei e torná-los inelegíveis. Pois agora o STF revisou esse posicionamento – e para pior.
Em julgamento realizado na semana passada, a Suprema Corte decidiu, por maioria de 6 votos a 5, que as condenações de chefes de Executivo pelos tribunais de contas só terão validade se forem chanceladas por dois terços dos integrantes do Legislativo. Ou seja: um prefeito só será enquadrado na Lei da Ficha Limpa se dois terços da Câmara de Vereadores de seu município sancionar a punição. Vale o mesmo para os governadores em relação às respetivas assembleias estaduais. Como não é incomum que os legislativos sejam controlados politicamente por quem está no poder, abre-se uma gigantesca brecha para a impunidade.
Além de causar insegurança jurídica, o novo posicionamento tira poder dos tribunais de contas e reabre o debate sobre os critérios de indicação de integrantes destas e de outras cortes. O próprio Supremo tem seus ministros indicados pelo presidente da República, mas, pelo reconhecido saber jurídico de seus membros, conquistou uma cultura de isenção que lhe garante credibilidade junto à população. Já os tribunais de contas, embora contem com conselheiros oriundos de áreas técnicas, também são formados por políticos indicados pelo chefe do Executivo. Ainda assim, têm muito mais legitimidade para julgar um governante do que os parlamentos compostos integralmente por políticos apoiadores ou opositores dos eventuais réus.
Mas o urgente, neste momento, é que o Supremo – demandado por movimentos comprometidos com o combate à corrupção por meio de embargo declaratório - reexamine a decisão e restaure o poder moralizador da Lei da Ficha Limpa.