Uns dias atrás estreou no Brasil O martelo sem mestre, um dos monumentos da música de concerto dos 1950. Isso aconteceu em São Paulo, que é onde geralmente acontecem essas coisas puxadas à aventura. O compositor Pierre Boulez até já morreu – isso foi há pouco – e o martelo levou 60 anos para chegar até aqui.
Enfim, chegou. É uma das músicas que define a música de meados do século passado – define tanto quanto Elvis Presley cantando Heartbreak hotel ou Elizeth Cardoso cantando uma das canções do Canção do amor demais, também em plenos anos 50.
Numa crítica ao concerto de dias atrás, Sidney Molina fala na Folha de S.Paulo de uma discreta debandada de pessoas, "algumas batendo os pés, não escondendo a irritação". Sim, 60 anos depois e ainda há quem se choque, ainda há quem se irrite. Não duvido que ainda exista quem ache que a bossa-nova dos anos 1950 é marca inaceitável de estrangeirismo na música brasileira e fora Elizeth! Assim como há ouvintes para quem Mozart é o máximo e, depois dele, só foi o dilúvio bíblico, talvez a destruição de Sodoma e Gomorra.
Não há o que reclamar: há gosto para tudo, há música para todos, mesmo a música que não é reconhecida como música por alguns e que – mesmo assim – é música. Esses choques, essas irritações fora de seu tempo, com 60 anos de atraso, me lembram de outro atraso e de outro patear de plateia em protesto. Foi aqui mesmo, no velho Salão de Atos da UFRGS, que então abrigava as temporadas da Ospa, semana após semana. 1973: 60 anos depois da estreia da Sagração da primavera em Paris e pela primeira vez a Ospa tocava a peça de Stravinsky.
Mesmo então também houve gente que saísse no meio da música, quem sabe aborrecida com a ausência de melodias mozartianas. Estudante de música, lembro de ter ficado surpreso com a novidade da peça que insistia em se prolongar para além da sua própria novidade. Hoje, a Sagração não choca mais. Foi substituída por outros barbarismos. Por exemplo: esses martelos sem mestre a batucar a cabeça dos ouvintes com seus surrealismos. Assim vamos: de 60 em 60 anos, de choque em choque, de atraso em atraso.