Aplaudida pelo presidente interino Michel Temer, a decisão da Câmara de aprovar um pacote bilionário de reajustes salariais para servidores públicos de carreiras melhor remuneradas, negociado ainda pela presidente afastada Dilma Rousseff, vai na contramão do discurso de austeridade fiscal. Pesaram na decisão a força de corporações influentes, que vinham há algum tempo cobrando o reajuste, e a intenção de um governo já às voltas com múltiplos conflitos de evitar confronto com o funcionalismo. Mas, por mais que os vencimentos de algumas categorias possam estar defasados, tudo é lamentável na decisão: da incompatibilidade com a situação financeira do setor público até a falta de transparência sobre impacto nas contas oficiais, que é desconhecido e será bancado pela sociedade.
Recém empossado, o governo interino alegou o pior dos mundos na contabilidade governamental para garantir no Congresso a elevação do déficit para R$ 170,5 bilhões neste ano, atribuído a equívocos da gestão anterior. Surpreende, portanto, que a toque de caixa, e de madrugada, a Câmara aprove nada menos do que 14 projetos, garantindo reajustes salariais de até 41% para todos os poderes. Em consequência, o teto dos servidores, que equivale ao valor percebido por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), passa de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil, com efeitos em cascata que se estenderão para os Estados.
O surpreendente é que nem sequer tenha sido feito um cálculo do impacto financeiro nas contas públicas. A única certeza é de que será considerável e vai se estender por alguns anos.
Além de despropositada para o momento, a aprovação de verdadeiras pautas-bomba como o aumento salarial bilionário exigiria mais debate, de preferência à luz do dia, e um mínimo de transparência. Governantes não podem se render tão facilmente a pressões de corporações, que desequilibram ainda mais os sacrifícios exigidos dos setores público e privado.