"Num meio-dia de fim de primavera, tive um sonho como uma fotografia." É assim que começa o oitavo poema do Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa.
É impressionante a força de uma fotografia. Lembra o marinheiro beijando a moça do vestido branco, em Times Square, após o anúncio do fim da guerra contra o Japão? Ou o Einstein mostrando a língua? E o corpo do Che Guevara?
Uma boa fotografia pode ser definitiva. Como a do chefe de polícia sul-vietnamita disparando contra a cabeça do oficial, lembra?
Há fotografias que ficarão em nossas mentes para sempre. O Prêmio Pulitzer de 1972 foi para a da menina vietnamita, em desespero, correndo nua pela estrada, arrancando as roupas em chamas, após o ataque com napalm.
Todas elas são exemplos de tua força, fotografia. És capaz de eternizar o que há de mais belo ou mais horrendo neste mundo. Tu és como Polifemo, o monstro gigante de um olho só no meio da testa, filho do deus do mar, que Ulisses enfrentou na ilha dos ciclopes. Tua lente implacável registra a vida com uma frieza e precisão, por vezes, dura demais para o meu coração.
Há algum tempo, fizeste um oco horrível em meu peito, com a imagem do corpinho do menino sírio, de apenas três anos, devolvido morto à praia turca, pelas ondas frias de Poseidon. Agora, vens à carga outra vez! Faz-me, de novo, chorar pela criança tirada sem vida das águas do mar, que mais parecia um bonequinho de brinquedo, fingindo dormir nos braços resignados do homem triste do resgate.
Esta gente-formiga, olhar para baixo, a navegar no silêncio das noites, por mares impossíveis, em botes quase suicidas, grudada uma no corpo da outra, como sardinha, filho num braço, mochila no outro, na fuga desesperada do inferno, e que chamamos refugiados, é como uma imagem em preto e branco do homem de nosso tempo. A fotografia de nosso luto permanente.