Diversos projetos de lei, sempre de autoria de políticos de direita, circulam pelo Brasil tentando impedir os professores de colocar um viés ideológico em suas aulas. Escolhi o termo "viés ideológico", mas há muitas variantes: "discutir gênero e sexualidade", "fazer doutrinação" ou "desviar o natural desenvolvimento da personalidade dos alunos". A lista é imensa, o que demonstra a grande criatividade dos legisladores quando o assunto é repressão. A gente fica achando que é tudo piada, que a chance dessas leis serem votadas e colocadas em prática é zero, mas aí elas são aprovadas, e a comédia vira filme de terror.
Alguns políticos querem que os professores deem aula sem expressar qualquer opinião política, porque acham que a grande maioria dos professores é de esquerda e promovem uma "lavagem cerebral" nos estudantes. Querem um ensino "neutro". Querem um professor que não expresse suas opiniões sobre os problemas do mundo, as possíveis origens desses problemas e o que fazer para enfrentá- los. Considerando que toda ciência é um interminável choque de opiniões sobre o que constitui o mundo, por que o mundo é assim e o que podemos fazer para mudá- lo, as leis deverão instituir em que estágio interromperemos a discussão científica. Ptolomeu, Newton ou Einstein? Eu aposto que, numa votação fechada do Congresso, daria Ptolomeu. Aberta, chegaríamos a Newton. Nunca além.
Essas leis ficarão restritas ao ensino público ou atingirão também o privado e suas muitas escolas confessionais? Como todos os professores são iguais perante a lei, creio que será inevitável que os colégios e universidades mantidos há séculos por organizações religiosas proíbam seus professores de falar de Deus. Não há questão ideológica mais decisiva que acreditar ou não num ser superior e discutir a sua natureza. Como a natureza do ser superior é maleável, e numa mesma classe podem misturar-se convicções distintas, Deus não entra mais na sala de aula. Sem Deus, sem ideologia, sem ciência e sem arte (melhor acabar também com esse velho reduto da esquerda), poderemos acabar finalmente com a própria escola e seus professores. Piada? Leiam os projetos de lei. No fundo, é o que eles querem.