Nossa profissão é uma maneira simples, fácil e rasa de nos definirmos como pessoas. Quem é você? Sou engenheira, diz a moça. Prazer, o que você faz? Trabalho como auxiliar de enfermagem.
Além de gerar nosso sustento material, também esperamos que o trabalho nos ajude a dar significado a nossa existência neste planeta. Esse é um aspecto amplamente negligenciado quando estudamos o mercado de trabalho, e as políticas e práticas dos setores público e privado.
O grau de sofisticação da retórica que criamos, para nós mesmos e para o mundo, a respeito de nossa profissão varia de pessoa para pessoa. O processo de criação dessa narrativa pode ser muito recompensador, porque é um aprofundamento da reflexão sobre nossa existência. Mas também tem um lado nefasto, que é o risco de concentrarmos no trabalho todas nossas expectativas a respeito do atingimento de uma plenitude, de uma coerência existencial que buscamos.
E não é uma questão puramente geracional, restrita às novas gerações. Lembro de conversar com pessoas ao redor dos 70 anos cujo repertório gira em torno de suas carreiras. Aliás, “carreira”, sim, é um termo que tende a sumir. Melhor falar em “vida”, “trajetória”.
Não é um problema buscar que nossos valores pessoais reflitam em nossa atividade profissional. Pelo contrário, esse movimento é bem-vindo, mas tem suas limitações. Há, pelo menos, duas maneiras de realizá-lo: mudar o objeto do nosso trabalho e mudar nosso ponto de vista sobre aquilo que trabalhamos, de forma a ressignificar nossa experiência.
As grandes engrenagens – como corporações – também têm grande habilidade retórica para sugar o significado de nossas vidas. Lembro de realizar alguns projetos na área de sustentabilidade, nos quais eu tinha certeza de estar fazendo o bem, e, mais tarde, perceber que estava sendo usado em um grande e complexo esquema para melhorar a imagem das empresas para o qual prestava serviço.
Ou seja, para ganhar o jogo da economia do significado (que não se mede em dinheiro), é fundamental que encontremos outras formas de significar nossa existência. Hobbies, relações, dedicação à comunidade, artes, espiritualidade. Senão, acabamos por colocar todas as nossas fichas em engrenagens que não dependem só de nós. O mundo do trabalho é complexo e, como mencionei antes, não absorve essa lógica de maneira plena.