A sociedade foi colhida de surpresa com a notícia de que o presidente interino da Câmara teria "anulado" o processo de impeachment.
Seria fácil atacá-lo para desmerecer a decisão, como fez o governo com seu antecessor. Dir-se-ia que ele não tem "moral" para fazer o que fez, pois enfrenta inquéritos no STF por suposta ocultação de bens e desvios de fundos de pensão (Operação Miqueias), bem como por lavagem de dinheiro e recebimento de propina (Operação Lava-Jato).
Mas não é preciso ir tão longe.
A decisão não produz efeito algum, salvo a balbúrdia. O processo está no Senado e não mais sob a "jurisdição" da Câmara. Nem é o caso de se buscar a "anulação" da decisão no STF, bastando ao Senado seguir com a votação no Plenário nesta quarta-feira. É o que deve determinar Renan Calheiros, que classificou a decisão do presidente da Câmara como "brincadeira com a democracia".
Em segundo lugar, os fundamentos da decisão são esquálidos.
Nela se lê que não poderiam os partidos ter firmado orientação para votação e que cada deputado deveria ter votado livremente. Ora, a despeito de os partidos terem fechado orientação, vários deputados votaram livremente em sentido contrário. Além disso, o regimento da Câmara prevê, em seu artigo 10, IV, a possibilidade de orientação da bancada em qualquer proposição sujeita à deliberação do Plenário, não sendo diferente na votação do impeachment.
Ainda segundo a decisão, a defesa de Dilma deveria ter falado por último no momento da votação. Ocorre que o art. 22, § 4º da Lei do Impeachment prevê tão somente a manifestação dos partidos. A manifestação da defesa se dá somente na Comissão Especial, o que ocorreu.
Por fim, afirma-se na decisão que o resultado da votação deveria ser formalizado em resolução. Contudo, o regimento da Câmara somente prevê resolução para a atividade legislativa (art. 108). Para o impeachment, atividade judicante, é uma vez mais a Lei do Impeachment que define a questão, em seu art. 23, § 1º: basta a aprovação do parecer pelo Plenário para que se considere "decretada a acusação pela Câmara dos Deputados".
Nem o mais radical defensor do governo pode acreditar que o que vimos ontem foi um ato "republicano".