Ao Eduardo Carneira, que deu a ideia
"De tudo ficou um pouco", escreveu Drummond há alguns anos, quando os tempos, talvez, fossem mais favoráveis para as imagens profundas. Para serem profundas, precisava tempo e eram mesmo tempos de mais tempo. Mas, se de tudo fica um pouco, pelo menos um pouco há de ficar dos embates sem tempo nas redes sociais.
O WhatsApp, por exemplo. Hoje proliferam os grupos de família, o que nem sempre é garantia de um encontro verdadeiro. Mas algo pode ter ficado da participação da avó naquele grupo. Os familiares acharam que ela estava "variando", porque levava dias para responder a uma mensagem. No turbilhão das "trocas", quando vinha uma dela, ninguém mais sabia para quem era e sobre o quê.
Foram testá-la e, quando todos esperavam outra rateada, ela esclareceu: - Uso isso como se fosse o correio, com a vantagem de que não precisa selo nem se deslocar, mas nunca escrevo sem pensar no que disseram e no que vou dizer.
O grupo levou um balde de água fria e, por um tempo, a velocidade das trocas diminuiu. Cada um agora pensava um pouco mais antes de responder. Nicholas Carr tem um livro magnífico sobre o assunto. Chama-se A Geração Superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. A visão de Carr é pessimista, baseada em fatos reais e pessoais, contando (com tempo) o quanto o abuso na utilização do computador tirou o seu foco de atividades mais profundas, como ler.
Mas Carr foi muito pouco drummondiano. No grupo daquela avó, por exemplo, pouco tempo depois, um dos netos escreveu: - Fujam para as montanhas que lá vem mensagem da vó.
"Fujam para as montanhas" talvez viesse de um livro. Ou do cinema sobre o tempo da colonização inglesa dos EUA, quando os índios fugiam da invasão dos "homens brancos". Pouco importa. A avó levou na brincadeira, feliz que estava com a melhora do neto, capaz agora de utilizar uma imagem que só o tempo poderia polir. E continuaram a teclar sem fugir para as montanhas em meio à invasão da internet.