Entre as muitas questões do alarme mundial criado pela propagação do zika vírus, uma é particularmente relevante para que todas as outras sejam enfrentadas. É a que diz respeito ao drama pessoal das mulheres grávidas, das mulheres que venham a engravidar sob os mesmos riscos e das que já tiveram filhos com microcefalia. As mães de crianças que nasceram com a malformação devem ter o suporte do Estado, para que consigam pelo menos amenizar o sofrimento dos filhos e o próprio sofrimento. Ao mesmo tempo, os governos terão de lidar, em conjunto com todas as instituições, inclusive a Justiça, com a grave questão representada pela tendência, já confirmada, do aumento de abortos clandestinos no país.
O não enfrentamento dessa realidade pode levar o país a cometer um erro tão grave quanto as falhas que contribuíram para a proliferação do mosquito que espalha o zika vírus e outras doenças. Como tem observado o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, as autoridades estão sendo convocadas a não fugir do debate e da busca de soluções. Temporão apelou, em entrevista na semana passada ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, para que a questão do aborto seja tratada com a seriedade, a delicadeza e a firmeza que merece. É a voz sensata de um especialista em saúde pública, em meio a muitas vozes que nem sempre contribuem para o enfrentamento do cenário dramático provocado pelo zika vírus.
Em primeiro lugar, como observam o ex-ministro e outros envolvidos nas tentativas de soluções, os dramas desencadeados a partir da relação entre o vírus e a microcefalia, e que muitas vezes pode levar ao aborto, configuram uma questão de saúde pública. Abordagens que levem em conta leis, ética médica e conceitos religiosos devem considerar esse drama, ou não haverá contribuição para que as mulheres - as maiores vítimas - tenham a proteção que merecem. A decisão pessoal, de cada mulher, sob a orientação da legislação e de médicos e profissionais da área da saúde, é intransferível e deve ser respeitada.
Especialistas no assunto, legisladores, juristas e a sociedade devem se dedicar agora a esse debate penoso, mas inadiável. O que não pode acontecer, enquanto o contágio se alastra, é que o risco do zika vírus, aliado à deficiência dos programas de educação sexual e métodos contraceptivos, acabe por desencadear um aumento no número de abortos clandestinos. Apenas seis países da América Latina permitem o aborto por malformação fetal, e a situação criada pelo zika vírus e a microcefalia é inédita no Brasil.
A ameaça de banalização de abortos sem assistência, a desorientação e a sensação de que os governos abandonaram as mulheres à própria sorte é tudo que não pode ocorrer. O Brasil precisa enfrentar o mosquito, o vírus e os preconceitos que, em momentos como este, podem ser tão fatais quanto os males que devem ser combatidos. Como observa Temporão, as saídas estarão no bom senso, para que todos, e não só os sanitaristas, os médicos e os diretamente envolvidos em alternativas, joguem luzes em um tema aterrorizante e ainda obscuro.