Enquanto o Carnaval desfilava pelas avenidas do Brasil, eu aproveitei para percorrer mais 300 e poucas páginas de um livro de 1.070 que me dispus a terminar neste segundo mês do ano. Quando ainda andava por aqui meu amigo José Manosso, um gringo carnavalesco, eu virava noites vendo as grandes escolas do Rio de Janeiro apenas para ter assunto com ele na Quarta-Feira de Cinzas. Depois que ele foi torcer para o Juventude em outra dimensão, ou sei lá onde, me desencantei um pouco. Mas, por dever de ofício, acompanho atentamente as notícias sobre desfiles, temas abordados e sambas-enredo. Sempre penso que o autor da letra de uma dessas músicas cantadas repetidamente por milhares de pessoas deve sentir-se mais realizado do que os próprios foliões, cujo brilho fugaz termina com a dispersão.
Pois gostei de saber que a escola campeã de São Paulo elegeu como tema os grandes mistérios da humanidade - a própria vida, a fé, a morte, civilizações antigas, a existência de vida em outros planetas. A Império de Casa Verde, com muita competência, teatralizou no sambódromo paulista alguns dos principais enigmas que intrigam o homem desde o princípio dos tempos. Evidentemente, não respondeu de onde viemos nem para onde vamos, mas fez pensar sobre o desconhecido.
Esse, no meu entender, é o maior dos mistérios: a chispa criativa que nos diferencia dos outros seres vivos e nos possibilita brincar de Deus, duvidar de Deus, talvez até mesmo criar Deus, como suspeitam ateus e descrentes. Mas a deusa Ciência também tem mais dúvidas do que certezas. Por exemplo: foi por simples acaso que uma ínfima partícula do átomo da inteligência direcionou-se para o cérebro humano durante o estrondoso e espetacular Big Bang?
Sei, evoluímos, como bem explicou Darwin, mas nosso antepassado ameba certamente já carregava a faísca ancestral da criatividade, que agora explode em cores e sons no Carnaval, além de emocionar e fazer pensar. Se existiu vida antes da vida, talvez possa existir também depois.
Manosso, meu amigo, teremos muito o que conversar.
Pensando bem, talvez o maior dos mistérios não seja exatamente a inteligência humana, que com frequência se desvirtua para o mal, para o ódio, para a destruição. Neste momento de reflexão, elejo como o maior dos mistérios a amizade - que sobrevive ao tempo e à distância, ainda que na forma de saudade.
Como diz o samba-enredo da escola vencedora, cada um com sua crença.
Leia mais colunas de Nilson Souza