Falar em aborto é falar em violência.
Também é adentrar em preceitos éticos, morais, religiosos e na forma como a cultura, utilizada aqui no sentido de moldura simbólica dentro da qual a própria sociedade concebe determinadas ideias e comportamentos como adequados e naturais, movimenta-se e estabelece paradigmas.
O Direito Penal brasileiro admitia o aborto apenas nos casos excepcionais de gravidez resultante de estupro ou quando resultasse perigo à vida da gestante. As reiteradas manifestações dos Tribunais, ampliando o direito posto quando se tratasse de feto anencéfalo, levaram os juízes a alargar o rol, contemplando a terceira hipótese permissiva.
Numa rápida averiguação do direito em várias partes do mundo, constata-se a livre escolha da mulher nos Estados Unidos, sem óbice temporal. Na América do Sul, o Uruguai segue a mesma diretriz dos países nórdicos. O aborto é permitido até a 12ª semana, por qualquer motivo, ou até o final da gestação, em caso de má-formação do feto.
O Brasil vive, hoje, uma desenfreada epidemia desencadeada pelo mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, da febre chikungunya e da Zika, doença que se torna mais ameaçadora pela possibilidade de ocasionar microcefalia nos fetos. O cérebro não se desenvolve normalmente e, dependendo da extensão dos danos, acarreta imensas dificuldades cognitivas e motoras.
Sendo o cérebro a estrutura mais complexa que conhecemos no universo, e aquela que contém tudo o que nos faz humanos, como viver sem a consciência de nossa humanidade, de nossas emoções, sem o brilho de uma mente que nos faz ser quem somos?
Mais uma vez o Direito depara-se com delicadas questões que definirão os novos rumos das leis. Nunca é demais relembrar a lição de Heleno Cláudio Fragoso, para quem as piores leis são as altamente restritivas, pois conduzem à realização de abortos ilegais perigosos. Tais leis não podem ser observadas nem impostas pela autoridade, levando o sistema penal ao descrédito. Reforçam as desigualdades sociais, discriminando contra os menos favorecidos.