É hora de avaliar as previsões que fiz há um ano sobre as tendências da internet no Brasil em 2015, revendo o que aconteceu no país.
Como previsto, a grande expansão da internet móvel fortaleceu a posição do Brasil no mercado mundial. Somos a terceira maior internet em número de endereços, à frente do Japão e da Alemanha, perdendo para os EUA e China. Em população conectada, atingimos a quarta posição, com 117 milhões, superando o Japão. Estamos com 94 milhões de smartphones ativos: um aumento de 50% em relação a 2014. Mais da metade da população tem um smartphone, sendo 81% Android. No decorrer do ano, os acessos a web feitos por smartphones saltaram de 15% para 30%. O crescimento ocorreu também na área rural, onde 20% dos celulares têm acesso à internet.
Com a expansão dos smartphones, os brasileiros triplicaram o tempo online, ficando em terceiro lugar no mundo. De 98 minutos em 2012, saltamos para 3 horas e 40 minutos em 2015. Nas nações do Primeiro Mundo, ocorre o inverso. Norte-americanos ficam menos de duas horas conectados, e nos últimos três anos os japoneses vêm diminuindo o tempo online. Isso faz da internet brasileira um mercado cada vez mais atraente para as empresas do mundo.
Também acertei quanto ao grande crescimento comercial da internet. Apesar da crise, o e-commerce cresceu 16% no primeiro semestre; o varejo físico, apenas 4,2%. Foram feitos 5,8 milhões de pedidos online durante a Black Friday e a Cyber Monday (24% a mais que em 2014). Na sexta-feira, o principal dia das promoções, 1,6 milhão de consumidores fizeram compras com um gasto médio de R$ 980.
Errei, porém, em prever as mudanças no comportamento. Os internautas brasileiros tornaram-se imediatistas, checando seus smartphones mais de 80 vezes por dia, mas diminuindo em 9% o tempo médio de cada visita online. Noventa e quatro por cento dos usuários buscam ideias enquanto realizam uma tarefa, e 65% querem saber mais sobre o que viram no comercial da TV enquanto ele ainda roda! Tal imediatismo está beirando a grosseria: 69% dos usuários pegam o smartphone no meio de uma conversa para saber mais sobre o que foi dito. Com celulares disponíveis o tempo todo, 79% dos internautas buscam mais informações online do que há alguns anos, 83% usam seu smartphone para achar locais de comércio e 74% para decidir a compra ainda na loja, pesquisando produtos e preços em outras lojas. Depois da compra, buscam no YouTube vídeos sobre o uso do produto. O acesso a esse tipo de conteúdo cresceu 72% em 2015 e, já no primeiro semestre, mais de 2 milhões de horas foram assistidas no Brasil, sendo metade em smartphones.
Acertei também que o Brasil continuaria sendo um dos protagonistas na definição da governança mundial da internet. Nosso Marco Civil já é um modelo seguido por várias nações e, através do Itamaraty, o poder executivo permaneceu engajado nas discussões internacionais, exigindo uma governança multissetorial e de multinações, questionando o "monopólio" norte-americano. Errei, porém, em não prever o descompasso do Legislativo, que gerou vários projetos de lei polêmicos que, conforme abordei na última coluna, visam extinguir as garantias à liberdade de expressão, ao direito de saber, à privacidade e ao anonimato dos internautas brasileiros estabelecidas no Marco Civil.
Acertei que a segurança da internet seria um grande desafio em 2015. Criminosos brasileiros já sabem como atacar aparelhos conectados à internet, aproveitando falhas de segurança e vulnerabilidades para atacar e invadir em todos os setores, levando o Ministério da Justiça a emitir vários alertas. Não só o Itamaraty teve seu sistema de e-mail invadido por hackers, como também o setor financeiro, cuja tecnologia tende a ser mais sofisticada. Maior alvo de trojans e malwares, vários bancos foram vítimas de ataques, inclusive o Banco do Brasil. Os ataques visando a fraude e phishing cresceram tanto que o Brasil se tornou o país mais perigoso para ataques virtuais na área financeira e um dos 10 países com o maior volume de ataques de hackers. Os criminosos aprenderam rapidamente a usar essa nova arma tecnológica, e o Brasil se tornou o segundo maior gerador de cibercrime do mundo.
Como previsto, a TV deixou de ser o passatempo preferido. Os brasileiros passam em média 5 horas na internet e 4 horas e 31 minutos vendo TV. Quarenta e oito milhões de pessoas afirmam ter substituído a TV pelo YouTube ou NetFlix. Por sermos um dos maiores mercados consumidores de vídeo online no mundo, a Google abriu o primeiro estúdio do YouTube em São Paulo, junto com o Instituto Criar, organização sem fins lucrativos que ensina jovens de baixa renda a produzir filmes, e abrirá o segundo estúdio em breve no Rio de Janeiro. Mais de 1,6 mil criadores já participaram de cursos e criaram conteúdo no estúdio de São Paulo, aprendendo como ganhar a vida no YouTube.
Embora muito tenha se falado sobre a internet das coisas, e novos dispositivos tenham tirado proveito da infraestrutura da Internet, não acredito que 2015 tenha sido o ano da 'internet das coisas' no Brasil como tinha previsto.
Infelizmente, acertei ao prever que a qualidade da internet e o serviço de celulares piorariam. Conforme dados oficiais, os níveis de qualidade dos serviços e de satisfação dos clientes despencaram no primeiro semestre. No período, as empresas de telefonia atingiram apenas 59,5% das metas. O pior nível de todos os tempos! Nos serviços de banda larga fixa, o maior problema foi a perda de sinal. Em 2015, caímos para a 90ª posição mundial em relação à velocidade média de banda larga móvel. Apesar de melhorar 25% em 2015, ainda temos a pior velocidade da América Latina. A internet argentina é 30% mais rápida que no Brasil! Para completar, somos o país com o mais lento tempo de carregamento de página na banda larga: 6,4 segundos para carregar uma página - seis vezes mais que no Irã e quatro vezes mais que no México. Embora estejamos melhores no carregamento de página das conexões móveis, não dá para festejar, pois conseguimos superar somente Taiwan (9,5 segundos) e Quênia (8,9 segundos), ficando em antepenúltimo lugar com 7,3 segundos.
Com essa péssima qualidade da internet brasileira, acertei em cheio ao prever que só mesmo nossa paixão por tecnologia e o jeitinho brasileiro conseguiriam fazer com que atingíssemos esse excelente crescimento digital e fôssemos destaque mundial na governança da internet em 2015.
Nelson Mattos escreve mensalmente neste espaço
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