Os recentes ataques às estátuas religiosas católicas na serra gaúcha merecem uma reflexão. A destruição de imagens sacras não é uma novidade no Cristianismo. No século oitavo, durante o Império Bizantino, teve início o movimento iconoclasta que perdurou até o século nono. Os destruidores de imagens acreditavam estar fazendo um bem ao destruírem ícones, estátuas e pinturas sacras que eles consideravam serem ídolos. Muitas obras de arte se perderam com a violência desses grupos. Algo semelhante ocorreu na época da Reforma, contudo, Lutero rejeitava a atitude dos iconoclastas. Realmente a Bíblia proíbe a idolatria de imagens. É conhecida a passagem na qual Moisés destrói o bezerro de ouro fabricado pelo povo hebreu no deserto (Ex 32). A idolatria é sempre considerada uma infidelidade a Deus. Entretanto, o mesmo Moisés manda confeccionar duas estátuas de anjos querubins para serem colocadas sobre a Arca da Aliança (2 Crônicas 3). Onde está a diferença? Trata-se do valor atribuído a um objeto sacro. Ele não pode ser adorado e tampouco reconhecido como a própria divindade. A tradição judaico-cristã sustenta a inefabilidade de Deus que não pode ser manipulada. O ídolo é produto de alguém que pretende que algo ocupe o lugar de Deus. Nesse contexto, o valor de uma representação religiosa precisa ser distinguido a partir do grupo religioso que o venera. No caso dos católicos romanos, as estátuas não são adoradas, mas veneradas. Venerar é respeitar, contemplar e valorizar, mas jamais identificar a imagem como se fosse a própria presença de Deus ou de quem ela representa. Essa distinção entre latria e dulia (adoração e veneração) foi declarada em 787, no segundo Concílio de Niceia, para esclarecer as controvérsias dos destruidores de imagens.
Feita essa distinção, é preciso considerar algo mais profundo que cresce como um ameaça à paz: a intolerância. Quando alguém destrói uma estátua sacra, ou apedreja uma pessoa por suas vestes religiosas, ou mesmo despreza a crença e os costumes do outro, estabelece-se uma perigosa relação de superioridade. A intolerância religiosa é expressão da crise de alteridade do momento: o outro não conta. Se alguém pensa diferente dos fanáticos, então será considerado um demônio; um inimigo a ser combatido. Começa-se destruindo sinais, imagens e símbolos que remetem à interioridade das pessoas. O passo seguinte poderá ser rejeitar toda e qualquer forma do outro se manifestar, ser e existir. Então se perde o sentido que tem estabelecido o fundamento da convivência: a dignidade humana. Judeus e cristãos acreditam que Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança, e não podem aceitar que a liberdade, a alteridade e a dignidade de uma pessoa sejam vilipendiadas. É hora de educar para a paz, o respeito e a reverência pelo outro. O impasse começa com questões religiosas, mas onde chegará?