Imagine a cena: Lagoinha do Norte, em Florianópolis, beira da praia, sol, calor, crianças construindo castelinhos de areia, homens e mulheres esticados ao sol. Até aí, tudo dentro da normalidade de um domingo clássico de verão e férias nas franjas do Atlântico. O que destoa é que, a poucos metros dessas pessoas felizes, havia um corpo morto na areia. Durante duas horas, pessoas tomavam banho de sol ao lado de um cadáver. O que os separava eram fitas de isolamento.
Embora ignorado pelos veranistas, aquele homem tinha nome, local de nascimento e uma história. Jadson da Silva Pereira, 23 anos, era alagoano e vendia queijo coalho quando foi assassinado a facadas. Foi esfaqueado no rosto, nas costas e no abdômen por dois criminosos que o teriam perseguido. A polícia investiga o crime.
É muito comum encontrar vendedores ambulantes, especialmente nordestinos, nas praias de Floripa. São pessoas que chegam a Santa Catarina durante a alta temporada para vender cangas, biquínis, sucos, picolés e queijo coalho. Sob o sol escaldante, servem a nós, turistas, enquanto descansamos.
Além do desdém dos veranistas, o fato me intriga (e entristece) por episódios recentes envolvendo nordestinos em Santa Catarina. Uma amiga e colega jornalista moradora da Ilha, Aline Torres, me alerta que é preciso relembrar casos de hostilização sofridas por pessoas do Nordeste que chegam ao Estado.
Ela lembra que, em novembro de 2013, moradores de Brusque, no Vale do Itajaí, publicaram uma carta intitulada "Aviso para os Baianos". No documento, que não era assinado, havia ameaça de morte aos migrantes, que, de acordo com eles, "perturbam o sossego da população". "(...) Baianos, vocês conseguiram deixar o povo revoltado, tomem cuidado e tratem de mudar de comportamento urgente. Vamos eliminar vocês, isso mesmo, vamos matar os ruins e acabar com essas pragas", diz trecho do texto.
Já na semana passada, em entrevista sobre a poluição das praias de Santa Catarina, o presidente do Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Florianópolis, Tarcísio Schmidt, culpou o queijo coalho de ambulantes por casos de viroses. Schmidt foi enfático: "Vem nordestino para cá, e eu não tenho nada contra os nordestinos, mas eles trazem queijo coalho, que a maioria come. Aí acontecem os problemas e culpam a poluição".
O corpo de Jadson estendido na areia é, no mínimo, simbólico. Me faz pensar que o migrante nordestino só é lembrando para ser vilipendiado ou usado como bode expiatório. Na hora da morte trágica, é só o corpo de um nordestino assassinado que não atrapalha o dia de praia.