Aquela semana de 1995 pode ser considerada a mais longa da história para Philippe Remondeau. O que era para ser um festival gastronômico de sete dias no Plaza São Rafael em Porto Alegre resultou em cinco anos na cozinha do hotel seguidos por quase 16 no casarão da Avenida Independência batizado de Chez Philippe.
A "Casa de Philippe", em tradução literal, acabou se tornando uma espécie de codinome do cozinheiro: até hoje há quem se refira a ele como "o chez Philippe", uma confusão mental com a palavra chef, que comprova que, na década de 1990, o francês aterrissou em terras ainda inabitadas por foie gras e camemberts.
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Usando a crise econômica como desculpa, mas decepcionado confesso com o rumo que a gastronomia gaúcha tomou, Remondeau abriu as portas de seu restaurante para a colunista no penúltimo dia de funcionamento na Capital. Com o jeito desconfiado e despachado de sempre, sotaque ainda carregado e um "bah" que outro viciado no linguajar, o gourmet comemorava a venda do imóvel recém-efetuada para a turma do Chicafundó e já se sentia mais leve para servir as últimas saladas de queijo de cabra, os filés camemberts e crème brûlée - pratos eternizados no seu menu - e se despedir de vez dos clientes.
Apesar de feliz por empacotar sua vida com destino ao sul da França, não escondia certo ressentimento com a queda do movimento em seu espaço nos últimos anos:
- Quando cheguei aqui, não tinha muita coisa. Agora, explodiu o número de restaurantes, e a qualidade não mudou muito. E isso divide a clientela. Foi uma pequena revolução de gente que não sabia nada, apoiada por mais um monte de gente que não sabe nada. No meio, tem alguns que trabalham bem e, no final das contas, são os que vão ficar.
A declaração não surpreende quem conhece o francês e reconhece seu espírito crítico. Ele não tem meias- palavras para dizer que a profissão de chef está na moda e que, no fim, sai gente das universidades sem saber fritar um ovo, que Gramado é uma Disney e que a cultura vegana é frescura. Mas, quando provocado, consegue amolecer em parte o coração europeu para dizer que vai sentir falta do trabalho diário à noite, de receber seus clientes - muitos viraram amigos íntimos - e de ir à Ceasa fazer as compras.
- Já estou estranhando. Mas mudança é bom. Estou com quase 50 anos, que é normalmente a idade em que as pessoas repensam a vida. Se você for ver estatisticamente, o número de gente que troca de profissão entre os 45 e os 50 anos é alto. Foi um período bom, fizemos coisas bem legais e conhecemos gente ótima. Tivemos bons e maus momentos, como tudo, entendeu? Mas só ficam as boas lembranças, porque o ruim foi pouco e nem tão ruim assim para lembrar - sorri ele, de canto de olho, gostando de ouvir o que disse.
Até a casa abrir naquela sexta- feira, Norma Remondeau, sua mulher e braço direito, seguia cuidando dos ajustes do bistrô que recebia frequentemente políticos e personalidades como Luis Fernando Verissimo e Vanessa Da Mata e foi chamado, por anos a fio, de "melhor restaurante da cidade". Mais brasileira no temperamento, mostrava- se lamentosa.
Reforçou que Porto Alegre acolheu o casal e que deixará saudades.
Os dois devem seguir atuando no ramo gastronômico; ainda não sabem se na cozinha, propriamente. Só há uma certeza por enquanto: o projeto de viagens, em que Philippe leva um grupo seleto para sua terra natal. Inclusive, já há um roteiro planejado para maio ou junho, com turma a fechar. E, por mais que Norma insista para que o último recado do "chez Philippe" seja diplomático, ele atravessa:
- Peço que as pessoas sejam mais criteriosas com a gastronomia. Tem muita coisa ruim por aí. E que sejam mais curiosas também. Falta curiosidade ao povo gaúcho. São cheios de "não como isso, não como aquilo...", muita frescura.
Se a mensagem derradeira não fosse assim, não seria o mito Philippe Remondeau. Bonne chance, chef!
NOVO CHICAFUNDÓ
A operação no Chicafundó segue até o fim de janeiro na Rua Cel. Bordini, 232, em Porto Alegre. A partir de 23 de fevereiro, o público será recebido no casarão tombado no número 1.005 da Av. Independência. Segundo Elisa Prenna, proprietária do Chica, o restaurante seguirá nos mesmos moldes de agora e com almoços de terça a sábado e jantas de quinta a sábado.