Na conversa semanal sobre conjuntura geral com os colegas Luiz Antônio Araujo e Leandro Fontoura, aqui na Zero, debatemos sobre profissões, tendências e costumes. Leandro lembrou que era adolescente em Santa Cruz do Sul, no final do século 20, e só falavam de arquitetos-decoradores, marchands e personal trainers.
Marchand era como chamavam os comerciantes e divulgadores de obras de arte, em galerias ou não, os entendidos em quem fazia arte e em quem poderia se interessar por arte.
Hoje, disse Leandro, o mundo é dos designers, dos estilistas, dos curadores e dos chefs. Os designers podem desenhar do automóvel a um clips lilás. Os estilistas determinam tudo (e não só a moda de roupa), os curadores definem o que deve ser visto em arte, quando e como, e os chefs te dizem o que comer, valorizando pratos com temperos nunca explorados, como o salmão enrolado com capim doce.
Teve também um tempo, lembrou Araujo, em que diziam que todos deveriam estudar esperanto. Seria a língua da Era de Aquário. Se a ideia tivesse prosperado, até a política poderia mudar.
Na quarta-feira, angustiada, sem saber se Michel Temer apareceria ou não para um encontro no Planalto, Dilma seria acalmada em esperanto por um assessor:
- Li venos posttagmeze. (Ele virá à tarde.)
Dilma perguntaria, logo na chegada de Michel:
- Kio okazas? (O que está acontecendo?)
Michel responderia:
- Mi estas malfelica. (Estou triste.)
A conversa seria bem simplesinha, porque os dois estariam no esperanto básico. Como é poeta e enfrenta momento de melancolia, Michel olharia ao longe e diria:
- En la tago mi vidas la helan sunon, kaj en la nokto la palan lunon.
(De dia vejo o sol claro, e à noite a lua pálida.)
O lirismo avoluma-se em esperanto. Se o mundo falasse esperanto, diziam, não mais teríamos guerras e vices tentando derrubar presidentes.
Pena que tenham sumido o esperanto e as samambaias. O que voltou com força, abrindo a carta de Michel para Dilma, é o latim. E poucos, além do nosso sábio J. H. Dacanal, dominam o latim hoje.
"Verba volant scripta manent" (as palavras voam,
os escritos permanecem), escreveu Michel no desabafo a Dilma. O vice poderia ter fechado a carta com a frase que enquadra o Brasil hoje nestas cinco palavras: "Qui nescit dissimulare, nescit regnare", ou: quem não sabe fingir, não sabe governar.
Raposas da arte de fingir, que fingem até erudição, sabem que a hora é boa para fingimentos em latim. O esperanto que espere.