Em 12 de novembro de 1989, cobri para Zero Hora, na Praça da Sé, em São Paulo, o último comício de Lula no primeiro turno de sua estreia em disputas presidenciais. Diante do palanque, em frenesi, comprimiam-se cerca de 100 mil militantes, ainda confiantes em que Lula derrotaria Fernando Collor três dias depois. Chovia e, quando tomou o microfone para discursar, Lula quase foi eletrocutado. "Posso morrer de infarto neste comício, mas não vou morrer de choque!", brincou.
A multidão riu. Às vésperas da eleição, um Lula livre, leve e solto encerrava a primeira de cinco campanhas presidenciais, numa trajetória que o transformaria em ícone internacional e figura mítica nos rincões do Brasil. Chegaram a fazer um filme sobre ele - O Filho do Brasil, o mais caro da história do país até seu lançamento, em 2010.
Outubro de 2015. Um colega, editor no Ceará, me relata seu espanto ao visitar familiares no município de Morada Nova, a 170 quilômetros de Fortaleza. No ano passado, Dilma recolheu ali 72,7% dos 44 mil votos. Lula era um nome quase santo no Sertão. Agora, não querem ouvir falar dele, mas não por causa do mensalão ou da Lava-Jato. "É o preço do gás", resume esse colega. "A carestia arrasou com a popularidade de Lula e Dilma."
Nos confins do Brasil, não é a corrupção, o dólar ou a votação da DRU que conta. Como no resto do Brasil miserável, Morada Nova sobrevive do Bolsa Família e das pensões da Previdência. São esses brasileiros mais pobres os que mais sentem o impacto da inflação e do desemprego. E são eles que agora se juntam aos grandes centros para promover uma impressionante e inédita rejeição de 55% ao nome de Lula em 2018, segundo pesquisa Ibope divulgada terça-feira.
Na semana em que completou 70 anos e se vê cada vez mais acuado por denúncias, Lula puxa um bloco de nomes de políticos já testados nas urnas com rejeição em torno dos 50%. Em 2002, ao conquistar a Presidência, Lula proclamou: "A esperança venceu o medo". Agora, o problema é exatamente o sequestro das esperanças de um novo Brasil - as dos assistidos pelo Bolsa Família em Morada Nova e as do topo da pirâmide na Avenida Paulista.
Esgotado, o eleitorado não parece mais disposto a distinguir A de B. Todos os políticos tradicionais passaram a ser repelidos por um eleitor que transita entre a vergonha e a apatia pelos desmandos e pelo clima de salve-se quem puder no Planalto. Quem imaginaria, lá em 1989, que o Brasil inteiro entraria em estado de choque?