Independente da minha surda preferência pelo serviço dos carros pretos versus a risível frota de táxis que as cidades brasileiras oferecem, o que aliás não é diferente em Porto Alegre onde a maioria são cubículos caindo aos pedaços, o polêmico assunto Uber x Táxis carrega uma discussão que me interessa mais: até quando defenderemos costumes, convenções ou leis que já não funcionam, já não se aplicam, já não têm mais sentido?
No final dos anos 90, morei um tempo em Buenos Aires, onde dirigia um polo de produção de comerciais para clientes atraídos pelo câmbio baixo e pela cidade que oferecia não só uma incrível variedade de locações (locais para filmar), como uma lendária vida noturna que fascinava os que se arriscavam a cruzar o Equador. Aliás, parte do boom do cinema argentino, sua modernização e recapacitação dos técnicos que assinam hoje a maioria dos filmes festejados mundo a fora, tem muito a agradecer ao período em que Palermo ganhou o sobrenome Hollywood e havia no bairro mais produtoras do que panaderías.
Não foram poucas as situações insólitas por conta da diferença de idiomas e linguajar técnico, mas principalmente, do choque entre culturas. Havia uma tensão nem sempre sutil entre inovadores e conservadores, já que a maioria dos técnicos de fora respiravam ares da era digital enquanto os locais vinham de uma escola totalmente tradicional, pra não dizer irascivelmente tradicional.
- No se puede!
- Por que no?
- Porque no!
- Pero Por que no?
- No, porque no! Porque acá no se hace así!
A teimosia dos portenhos sempre me parecia familiar: Não porque não, ponto. Não porque não e não se discute!
Não porque não parece resposta que se dá a uma criança e ainda assim não a qualquer criança. Lembro da indignação que sentia desde pequena com a imposição de limite sem uma razão clara. Arrisco dizer que, da mesma forma como acontece com nossos hermanos dos dois lados do Plata, a resistência ao novo, ao diferente, é um dos motivos pelo qual nós, gaúchos do Norte, também nos isolamos no tempo e no espaço.
O não porque não nos paralisa, nos limita, nos atrasa. O não porque não é o lugar comum da zona de conforto, que, por sinal, já deixou de ser confortável há muito tempo.
O que nos motiva ser tão negativos? Qual a origem deste nosso estranho e sinistro prazer em sermos do contra?
Toda a vez que faço estas perguntas, ouço a famosa comparação entre caranguejos baianos e gaúchos: os baianos saem da cesta todos juntos, abraçados rumo ao desconhecido (ou ao Rio de Janeiro). Os gaúchos puxam pra baixo e não permitem nem perdoam o caranguejo que ousa sair da mesmice. Mas a explicação não me convence. Somos muito piores do que os crustáceos: torcemos contra tudo e todos. Gastamos mais energia torcendo contra o time contrário do que a favor do próprio time. Preferimos o circo incendiado mesmo que isso resulte no fim de tudo o que ele tem de bom. Estranhamente, dedicamos tempo à destruição ou, na melhor das hipóteses, à redução dos méritos do outro quando este não pensa como nós.
Recorro então ao meu sábio pai, mas tampouco me contento com suas românticas explicações sobre guerras, vastas fronteiras, heroísmo e solidão. Ora, se vamos nos proteger em um discurso romântico, que seja então o dos revolucionários, dos loucos, dos que não se conformam com o que está posto. Afinal, sempre fomos épicos. Onde raios foram parar nossas façanhas?
Vamos lá gurizada! Sem afrouxar o garrão!
O caminho é pra frente e pra cima! Avante!
E se, ao fim e ao cabo, já não somos capazes do sim, então pelo menos que seja o não para este irreconhecível Rio Grande, não pra violência das ruas de Porto Alegre, o medo, a falta de perspectiva e sobretudo, coragem pra refazer tudo o que já não funciona.
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