Com o propósito de contribuir para o debate sobre a retomada do desenvolvimento do Estado, ZH solicitou a lideranças empresariais, sindicais e políticas artigos analíticos e propositivos a partir da seguinte questão: O Rio Grande tem saída? Como? A série, iniciada em junho com opiniões de representantes de entidades empresariais, teve continuidade em julho com sindicalistas e lideranças classistas e em agosto com parlamentares. Em setembro, é a vez de governantes.
*Olívio O. Dutra, governador do Estado de 1999 a 2002
A saída existe mas não pode ser a passagem do brete para o potreiro, espaço para o pialo e o garroteamento. Estamos com o lombo encaroçado por experiências como essa. Esqueçamos a renegociação da dívida com a União, em 1998. Mas "olvidar lo malo también es tener memoria."
O Rio Grande tem energia para sair dessa dificuldade sem se manear nas rodilhas do próprio laço. Nosso sentimento de pátria não nos faz nem mais nem menos do que qualquer um dos Estados brasileiros. O que queremos para nós é o que desejamos para as outras unidades da Federação. As palavras da nossa bandeira - Liberdade, Igualdade e Humanidade - são sinuelos de partida e de chegada em qualquer circunstância.
Portanto, não nos convém uma saída precipitada que nos faça pisotear essas balizas e sair vendendo os trecos pela estrada do neoliberalismo.
A saída é possível para o RS e para o Brasil, assim como Um Novo Mundo é, também, possível se as gentes, as pessoas, o povo não forem tolhidos como protagonistas conscientes, sujeitos e não objetos da política.
A política como a construção do bem comum com o protagonismo das pessoas deve ser o lastro para construção dessa saída.
A Constituição de 88 balizou coisas importantes para ampliar o controle social sobre o Estado, nas três dimensões e nos três níveis, passados os 21 anos de ditadura: a inclusão nominal e definitiva do município como ente federado, a estruturação do Ministério Público, o Imposto Sobre Grandes Fortunas, a discussão pública dos orçamentos. As legislaturas posteriores regulamentaram mal ou não regulamentaram esses avanços e criaram leis de eficácia e controle público controversos, como a LRF e a Lei Kandir que, de certa forma, tosquiaram o Pacto Federativo.
A saída para o RS e para o Brasil não pode ser aos atropelos como quem está desesperado, abrindo a guarda para a chantagem dos interesses mais poderosos, nem tão lenta como quem não quer meter a mão na vespeira e enfrentar esses interesses. Tudo demanda tempo, paciência, perseverança e compromisso político.
Ampliar e diversificar a matriz energética do Estado, investindo mais em energias alternativas e ambientalmente sustentáveis e em pequenas e médias hidroelétricas onde os nossos rios têm calha mais estreita. A articulação com as universidades e os Centros de Alta Tecnologia é fundamental. O aproveitamento do nosso carvão passa por aí como, também, a viabilização do Polo Cerâmico na Metade Sul. Apostar nas potencialidades dos sistemas locais de produção que, através de redes de pequenas e médias empresas, cooperativas e outras formas de organização, possam crescer com a chegada de novos empreendimentos com baixo subsídio e alta integração com a vocação regional. Para a realização dessa política o papel do Banrisul, da Uergs e de um Fundopem mais abrangente e diversificado é fundamental e estratégico.
A ampliação do controle público sobre o Estado para que funcione bem e melhor para a maioria da população deve ser baliza norteadora. O OP deve discutir estrutura tributária, políticas de isenção, subsídios, renúncias, privilégios, doações e favorecimentos às custas do dinheiro público. Essa discussão municia os legisladores na hora da votação da proposta orçamentária. A partir daí, segue o processo de acompanhamento e cobrança cidadã da execução da lei. Isso eleva a cultura política do povo, provoca o exercício pleno da cidadania, assevera o controle da sociedade sobre o Estado e ataca, no nascedouro, processos de corrupção.
A maioria dos funcionários do Executivo é mal remunerada. É preciso investir neles para que ganhem dignamente, se aperfeiçoem em suas carreiras e sejam parceiros de todas essas mudanças.
A primeira frente de combate à crise financeira do Estado são as renúncias fiscais, favores tributários e a sonegação que, juntos, somam mais do que um orçamento por ano. É preciso reforçar essa área técnica dentro do governo. Isso a curto prazo. A médio e longo prazo, construir com a sociedade uma matriz tributária justa, simplificada e clara que faça com que a receita arrecadada, como num sistema de vasos comunicantes, irriga de forma espraiada e profunda a economia de todo o Estado.
É bom lembrar que as reformas Agrária, Urbana, Tributária e Política, ainda não realizadas e esta última mal encaminhada no atual Congresso, são fundamentais para o Estado e para o país.
E, por último mas não menos importante, um tema urgente e necessário: a Previdência Pública. O Estado de Direito Democrático deve ser fiel depositário de recursos e compartilhar gestão eficiente e responsável com trabalhadores ativos e inativos de uma nova Previdência Pública, atuarialmente sustentável, economicamente viável e socialmente justa. É urgente que as distorções e privilégios que tornam a estrutura atual desmoronável a curto/médio prazo devam ser enfrentadas.