Em um ano em que muitas empresas enfrentam queda de vendas, aperto no caixa e resultados cadentes, a Lojas Renner virou referência de sucesso. Com resultados melhores do que os esperados pelo mercado, tornou-se a empresa com sede no Estado de maior valor de mercado (número de ações multiplicado por sua cotação). Seu presidente, José Galló, está à frente dos negócios há mais de duas décadas e já comandou a empresa no modelo familiar, controlado por uma multinacional e, agora, com controle pulverizado - 5 mil investidores detêm os papéis da empresa. Galló resiste a dar a receita da vacina contra a crise, mas pondera que, ainda em 2013, anteviu sua formação e se ajustou com antecedência. Agora, prevê retomada da economia brasileira apenas para 2018. E oferece um consolo: a situação para de piorar um pouco antes, talvez até antes do final do ano. Galló dá uma dica para quem quer enfrentar a crise sem complicações adicionais: o livro Incrivelmente Simples, de Ken Segall. Depois de comprar a obra em um aeroporto, exatamente durante um período em que procurava descomplicar sua vida, conta que o livro virou uma bíblia para ele e para todos os executivos da Renner.
Qual é a receita para ter aumento de lucro de 43,8% no primeiro trimestre e 33,5% no segundo neste ano de crise?
Uma empresa cria um diferencial competitivo, uma proposição de valor, que se materializa em produtos de determinado preço, que estão numa loja, e se comunica por meio de propaganda. E pessoas muito preparadas para executar tudo isso. Estamos 12 horas por dia colocando essa proposição de valor à disposição do cliente. Talvez estejamos fazendo alguma coisa diferente dos outros.
Mas o que é diferente?
Entregamos um produto, um preço, uma loja e uma prestação de serviços. Para que isso aconteça, temos de estar muito próximos do mercado. De 2003 a 2010, houve uma grande euforia no mercado em que todas as empresas iam bem, as que eram eficientes, as que eram meio eficientes, as que eram um terço eficientes. Quando ocorre uma desaceleração da economia, começa a haver uma seleção natural.
Essa proposição de valor tem uma receita?
É você definir que toda sua empresa quer encantar o cliente. Desde o presidente à pessoa que atende o telefone. A gente consegue estabelecer uma direção e diz o que quer fazer. Aí tem de vender essa ideia para a equipe e que todos passem a ver um sentido. As pessoas sempre estão dispostas a colaborar, a fazer. A questão é que às vezes os líderes não deixam claro para onde estamos indo e qual é seu papel. Se deixa claro e convida as pessoas a quantificar, a fazer orçamentos, participar do processo decisório, obtém engajamento. Uma boa proposição de valor e uma equipe engajada geram resultados.
Dólar fecha a R$ 4,05 e atinge maior cotação na história do real
A Renner foi afetada por aumento de custos e queda nas vendas?
Nosso ramo de varejo é bastante fragmentado. Inclusive, 40% do mercado de roupas no Brasil é informal, vende sem pagar impostos. Então há o teste do diferencial competitivo, vários não têm e estão saindo dos negócios, e o governo acaba cada vez mais coletando e tentando reduzir a informalidade, então há duas oportunidades que podem ser ocupadas.
O senhor costuma dizer que a Renner anteviu essa crise em 2013. O diagnóstico da época bate com a situação atual?
O tamanho do negativo era um pouco menor. Estamos habituados a fazer projeções, orçamentos, planos de longo prazo. Quando se passa a receber variáveis econômicas, déficit, inflação, artificialismos, e se vê que não vai acabar bem, então tem duas alternativas: ou se sai na frente e se prepara para não acabar bem ou se deixa as coisas começarem a deteriorar e só se começa o ajuste da companhia nesse momento, que é muito mais difícil.
Superávit da balança comercial soma US$ 352 milhões na 3ª semana de setembro
Que tipo de ajustes?
Reduzir qualquer tipo de despesa, ter processos mais produtivos, eliminar o que está fazendo e não é mais necessário. Quando a empresa vive um período de euforia, acumula gorduras que podem ser eliminadas.
Houve corte de pessoal?
Não, porque não foi necessário. Nosso turnover (rotatividade de pessoal) está ao redor de 35% a 40%, e é benchmarking (referência positiva). Temos concorrentes que têm até 90% de turnover. Então, se há necessidade de ajuste, é só não repor. Estou aqui há 20 anos e nunca reduzimos quadros em função de custos.
O senhor mencionou que já passou por outras crises à frente da Renner. No que esta é diferente das demais?
É diferente. No período de estabilização, desde 1995 até agora, praticamente não tivemos crises, e quando houve, em 2002 e 2008, foram rápidas. Essa vai ser uma crise bem longa. Imagino que vamos ter o início de retomada em 2018. Serão anos bastante desafiadores. Em 2013, quando fazíamos ajustes, o cenário era de recuo no PIB de 1% neste ano e reação de 0,5% para 2016. A realidade é queda de 3% neste ano e 1,5% em 2016. Some-se a isso uma situação mundial não favorável, a China em desaquecimento, será uma crise bastante longa.
VÍDEO: como o dólar acima de R$ 4 pesa no seu bolso
O dólar acima de R$ 4 afeta os negócios da Renner?
Temos uma importação da ordem de 30%, mas a gente já hedgeou (protegeu-se contra variações cambiais) isso, então estamos operando com dólar médio a menos de R$ 3. Isso até praticamente a coleção de inverno do ano que vem. A partir daí vamos ter custos adicionais, mas isso vai acontecer com todo o mercado, porque não existe mais indústria nacional de artigos de inverno, couro e lã. Existia quando metade do ano essas indústrias produziam para o mercado interno e, na outra metade, para exportação. Como a exportação deixou de ser viável, é mandatório para todo varejista brasileiro importar.
Outro impacto virá com o aumento de ICMS no Estado?
É um custo adicional, para a Renner e para todo o setor produtivo do Rio Grande do Sul. Isso me preocupa muito, como isso vai afetar não só a Renner, mas toda a indústria, que está tendo uma queda relevante de 7%, 8%. Tira a relevância, complica mais a situação. É muito fácil resolver aumentando imposto. É importante ter um Estado, mas por um governo eficiente. A sociedade estaria mais disposta a colaborar, e todo o empresariado, a partir do momento em que visse a entrega de bons produtos. O Estado existe para entregar saúde, segurança, educação, infraestrutura e ainda temos um custo adicional. Seria mais ou menos como se a Renner estivesse operando com suas despesas acima de sua possibilidade e para resolver isso aumentasse seus preços. É claro que seríamos expelidos do mercado. O que preocupa é a perda de competitividade do Rio Grande do Sul. Estou dizendo isso porque estou achando ruim, falando de coisas ruins, mas estou vendo a realidade. Às vezes, quando se fala de coisas ruins, o mais fácil é atacar quem está fazendo. A gente não consegue resolver um problema quando não o encara. O que estamos fazendo são arranjos que certamente não vão resolver o problema. O grande desafio é ter um Estado eficiente que entregue o que tem de entregar.
Assembleia aprova aumento da alíquota básica de ICMS
Os preços da Renner no Estado vão ficar mais altos?
Não, provavelmente vai haver uma distribuição, porque praticamos os mesmos preços. Alguém vai pagar a conta, não necessariamente no Rio Grande do Sul. Temos de reverter essa situação no Estado, entram todos nessa história. Não dá para pensar isoladamente. Não é a Renner, os funcionários públicos, o Judiciário. Ou a gente se junta, ou afundamos todos. Seria interessante que aproveitasse esse momento quase dramático para acertar as coisas. Às vezes é preciso entrar em situação muito ruim para se recuperar. Seria lamentável passar um momento tão difícil e tentar consertar por artificialismos. É correta a impressão dos consumidores de que, quando o imposto aumenta, preço sobe, mas se o imposto é reduzido, o preço não baixa? Baixa, porque quando a gente faz a margem (de lucro), aplica sobre o custo. Se o custo é menor, automaticamente baixa o preço.
Quem é o dono da Renner?
São 5 mil acionistas espalhados pelo mundo, aproximadamente 38% nos Estados Unidos, 40% na Europa, 15% no Brasil e mais ou menos 10% na Ásia e no Extremo Oriente. Então eu tenho a felicidade de ter 5 mil patrões. No Rio Grande do Sul, em 2005, foi criada a primeira corporação de controle compartilhado do país.
É verdade que o presidente da Renner usa roupas de marcas concorrentes para testá-las?
Testo, eu compro da Renner mas também testo a dos concorrentes. Gosto de ver qualidade, uso dos produtos, se é confortável. De vez em quando, acho uma calça que é mais confortável do que as da Renner. Eu trago, para tentar descobrir o que tem que as da Renner não têm. Em qualquer ramo, é preciso conhecer o concorrente. Nunca se deve subestimar a concorrência.
Relógios são exceção no seu padrão de vida simples, pessoal e profissional?
Meu relógio é de US$ 20 (mostra o acessório digital de plástico preto). Mas há outros em casa? Eu gosto muito de relógios, mas atribuo aos relógios ao mercado das necessidades. Estamos na época da necessidade, da simplicidade, então uso o de US$ 20. Em casa, tenho uns 40 relógios, é meu hobby.