Por Pedro Doria, co-fundador e editor do Meio, colunista de CBN, Globo e Estadão
Quando inventamos esse sistema de autogestão da sociedade que chamamos democracia liberal, logo percebemos que era preciso um adendo. Uma estrutura, independente do Estado e de qualquer partido, que pudesse olhar para dentro do Estado e trazer de lá informação. É a informação da qual cada cidadão precisa para poder votar. Chamamos a isso de imprensa. Sem imprensa, uma imprensa livre, democracias não são possíveis.
Com o tempo, os papéis exercidos pelo jornalismo se dividiram em dois. Um deles é noticioso, levar ao público aquilo que acontece onde os três poderes atuam, o que ocorre nas ruas de nossas cidades, tudo que ajudar a informar o voto. O outro é abrir palco para os debates, para que as correntes de opinião presentes na sociedade possam expor o que veem como problemas, que soluções apresentam. Seus argumentos. Democracias, as democracias que temos, a nossa democracia aqui, nascida em 1985, se ergueram sobre este pilar.
O pilar está quebrado. O sistema que leva notícias se partidarizou. Brasileiros, americanos, italianos, argentinos – cada vez mais recebemos informação que apenas confirma os preconceitos que já temos. No flanco do debate público, o quadro é pior. As redes fingem que há debate, mas ninguém é mais exposto ao outro lado. O outro lado se tornou um inimigo mortal. O simulacro de debate nada mais é do que um recitar de slogans que os lados decoram para lançar qual granadas perante os slogans decorados dos inimigos.
cada vez mais recebemos informação que apenas confirma os preconceitos que já temos
A principal evidência de que o sistema de informação quebrou é o desaparecimento do centro. Quanto menos gente se situa entre os flancos da centro-esquerda e da centro-direita, mais gritante é o sinal de que ouvimos cada vez menos as dores, os receios, as angústias de quem pensa diferentemente.
Imprensa não precisa vir na forma de jornal, TV, rádio. Pode vir de redes, de streaming, caixas de som inteligentes. Mas imprensa precisa existir. Ela precisa ser independente do Estado e de grupos políticos. E ela precisa poder chegar às pessoas. O que quebrou este pilar das democracias não foi a internet, nem mesmo as redes. Foram os algoritmos que decidem quem vai ver o quê. Algoritmos que, no afã de entregar só o que agrada, o que desperta atenção, o que inflama as emoções, interrompem o fluxo do resto. O que leva à reflexão, o que incomoda. O outro lado como humano, não como inimigo.
A missão posta, a nós jornalistas, é reerguer a imprensa.
* Periodicamente o Conselho Editorial da RBS convida uma voz da comunidade para escrever neste espaço sobre assuntos relacionados ao jornalismo