Por Marcelo Rech, jornalista e membro do Conselho Editorial da RBS
Em fevereiro de 2020, elevei a barra do caradurismo e, ao fim de uma conversa no jornal The Washington Post com seu então editor-executivo, Martin Baron, pedi que escrevesse uma mensagem ao GDI, o Grupo de Investigação da RBS. Baron era editor-chefe do The Boston Globe quando uma equipe investigativa desvendou os escândalos de abusos de crianças na Igreja Católica nos EUA – uma epopeia jornalística retratada em Spotlight: Segredos Revelados, vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2016.
“Desejo a vocês o melhor – força e determinação”, escreveu Baron no bilhete que decora a parede da Redação Integrada onde se localiza o GDI. Força e determinação são, de fato, dois elementos cruciais a mover investigações jornalísticas, e a atuação do GDI dá repetidas mostras disso, como na recente série de reportagens de Giovani Grizzotti, um ás desta especialidade, sobre os desmandos nas escalas de médicos do Samu.
Investigar é um elemento definidor da atividade jornalística, que exige recursos e apoio da sociedade.
É preciso força e determinação – muita persistência, enfim – para varar madrugadas diante de prédios públicos e controlar os horários de entrada e saída de funcionários de um serviço essencial do qual dependem vidas. Sem força e determinação, os obstáculos de uma investigação jornalística – portas fechadas, ameaças e intimidações físicas e legais, manobras diversionistas e pressões de toda ordem – não seriam transponíveis. Deve-se, porém, separar denúncia e investigação. A segunda, como no caso do Samu, começa pela primeira. Nos últimos anos, registre-se, vazamentos seletivos confundiram-se com fatos confirmados, quando, na verdade, eram denúncias a servir de lenha ideológica na fogueira de radicalismos.
No Conselho Editorial da RBS, além dos riscos do denuncismo, a densidade da apuração jornalística e sua relevância social são temas recorrentes. O GDI combina ambas, ainda que por vezes os atingidos pela apuração e os que vivem em plácida letargia com desmandos torçam o nariz para o papel de vigilância da imprensa. Investigar é um elemento definidor da atividade jornalística, que exige recursos e apoio da sociedade, até porque as reportagens que dela decorrem não são a melhor forma de se fazer amigos em determinados círculos.
Também por causa desse ônus, não serão os Tik Toks da vida que investirão em grupos de investigação, o que só reforça o papel insubstituível dos veículos jornalísticos. Uma reportagem investigativa como a do Samu é o antípoda da tiketoquenização da comunicação, pela qual videozinhos rápidos são criados apenas com a intenção de prender o usuário em conteúdos supérfluos e inúteis. Muita força e determinação ao GDI, portanto.