Por Sérgio Lüdtke*, presidente do Projor e editor-chefe do Projeto Comprova
Imagine, prezado leitor, contar apenas com as mensagens no WhatsApp para saber o que acontece na cidade onde você mora. Pois essa é a realidade de 29,3 milhões de pessoas que habitam os 2.968 municípios que no Brasil são considerados desertos de notícias. Em cinco a cada 10 cidades brasileiras, as pessoas não têm acesso a qualquer informação jornalística sobre o lugar onde vivem.
Segundo o último censo realizado pelo Atlas da Notícia, cerca de 800 mil gaúchos vivem em desertos de notícias, condição que afeta quatro em cada 10 municípios do Rio Grande do Sul.
Povoar esses desertos e ampliar a oferta de fontes de informação confiáveis não é uma tarefa somente para empresas e jornalistas
A escassez de informação produzida com o propósito de servir ao público e, portanto, bem apurada, que se abastece em fontes confiáveis e diversas, compromissada com os fatos e narrada de modo compreensível, abre espaço para a desinformação e leva a escolhas levianas, como o voto em um mau representante, por exemplo.
Como as escolhas de cada cidadão acabam se refletindo na qualidade da democracia, é fundamental que tratemos do acesso à informação jornalística de interesse público como um desafio para a sociedade, como uma vacina contra a desinformação, como base para construção de uma democracia mais robusta.
Povoar esses desertos e ampliar a oferta de fontes de informação confiáveis não é uma tarefa somente para empresas e jornalistas que produzem notícias de interesse público. O ecossistema de informação foi precarizado desde que as mídias sociais passaram a absorver quase toda a atenção disponível.
Os algoritmos que hoje orientam nossas escolhas não se responsabilizam pelas consequências. Eles sequestram nossa atenção com conteúdo sexy e divertido. A notícia, por outro lado, é limitada pelos fatos, refém das evidências e muitas vezes dolorida. É fácil prever quem perde essa disputa se não houver compreensão e ajuda externa.
O jornalismo precisa ser mais diverso, inclusivo, transparente, aberto e conectado com as pessoas, mas ampliar e diversificar a oferta de informação é um desafio para a sociedade e, por extensão, para o Estado. Está mais do que na hora de discutirmos o financiamento público para reflorestar ou extinguir os desertos de notícias. O acesso à informação precisa estar na pauta política como a garantia a saúde, segurança e educação.
A permanência dos desertos de notícias deveria envergonhar a todos nós.
* Periodicamente o Conselho Editorial da RBS convida uma voz da comunidade para escrever neste espaço sobre assuntos relacionados ao jornalismo