Milhões de venezuelanos irão às urnas neste domingo (28) para o que muitos consideram as eleições mais importantes do país desde a ascensão de Nicolás Maduro ao poder, há mais de uma década.
Maduro e seu principal rival nas eleições presidenciais, o opositor Edmundo González Urrutia, encerram nesta quinta-feira (25) as suas campanhas, entre advertências do presidente sobre um "banho de sangue" ou uma insurreição militar caso seja derrotado.
O atual chefe de Estado, de 61 anos, pretende "tomar" Caracas "de ponta a ponta", com uma marcha que começará pela manhã em bairros importantes da capital e terminará na emblemática Avenida Bolívar, no centro.
Urrutia também dará o toque final à sua campanha com um comício em Las Mercedes, bairro rico do sudeste de Caracas. O diplomata de 74 anos estará acompanhado, como de costume, da ex-deputada María Corina Machado, que originalmente era candidata da aliança da oposição Plataforma Unitária, mas a sua candidatura foi vetada devido a uma inabilitação administrativa.
Entenda, em tópicos, como serão as eleições na Venezuela:
O pleito
Cerca de 21 milhões dos 30 milhões de venezuelanos estão inscritos nos cadernos eleitorais, embora se estime que apenas 17 milhões que ainda estão na Venezuela e não migraram poderiam votar.
A eleição presidencial na Venezuela ocorre em apenas um turno, e o candidato que obtiver o maior número de votos é eleito. O mandato presidencial é de seis anos, e não há limite para reeleição. O atual presidente, Nicolás Maduro, está concorrendo ao seu terceiro mandato. Antes dele, Hugo Chávez foi eleito três vezes, mas faleceu no início de seu terceiro mandato, em 2013.
Para votar, é necessário ter pelo menos 18 anos, e o voto não é obrigatório. Assim como no Brasil, a Venezuela utiliza urnas eletrônicas, mas no sistema venezuelano o voto também é impresso. Em 2004, o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela contratou uma empresa que desenvolveu e implementou mais de 500 mil máquinas e treinou 380 mil profissionais para operá-las.
Os centros de votação são em escolas públicas. O eleitor entra na sala de votação, valida sua biometria e registra seu voto na urna eletrônica. Ele recebe um comprovante impresso do voto, verifica se está correto e o deposita em outra urna, onde os votos em papel são armazenados. Ao final da votação, o chefe da seção imprime o boletim de urna e conta os votos impressos para garantir a conformidade.
Os principais candidatos
Nicolás Maduro
Abençoado por Hugo Chávez como seu sucessor, Nicolás Maduro governa a Venezuela com mãos de ferro há mais de uma década. Acusado de violar direitos humanos, insiste em mostrar uma imagem de homem comum, de "presidente trabalhador".
No poder desde 2013, Maduro buscará em 28 de julho um terceiro mandato de seis anos que o leve a 18 anos à frente do país: seria o chefe de Estado há mais tempo no poder na Venezuela após o ditador Juan Vicente Gómez, que ficou 27 anos (1908-1935).
Alto, com um bigode espesso que exibe com orgulho, o ex-motorista de ônibus e dirigente sindical de 61 anos explora os estereótipos de "homem do povo", de "presidente trabalhador", como gosta de ser chamado, para seu benefício político, evocando um passado de vida simples em longas noites televisionadas com Cilia Flores, sua esposa e "primeira combatente", muito poderosa nos bastidores.
Formado em Cuba, a cultura de Maduro, que foi parlamentar, chanceler e vice-presidente de Chávez (1999-2013), vai muito além do volante do ônibus que dirigiu na juventude.
Edmundo González Urrutia
Até recentemente, Edmundo González Urrutia conversava de varanda em varanda com os netos, vizinhos de um prédio adjacente. Mas o seu papel de avô foi inesperadamente substituído pelo de candidato à presidência da Venezuela.
Foi nomeado de último minuto após a inabilitação de María Corina Machado e o veto de outros possíveis substitutos.
Nascido em La Victoria, uma pequena cidade a cerca de 110 quilômetros de Caracas, onde ocorreu uma das batalhas mais heroicas da guerra de independência em 1812, Urrutia viveu e estudou lá até se mudar para a capital para iniciar a universidade.
Formou-se em Estudos Internacionais pela prestigiada Universidade Central da Venezuela (UCV) e depois ingressou na Chancelaria.
Como diplomata, morou na Bélgica e nos Estados Unidos. Foi embaixador na Argélia (1994-99) e na Argentina (1999-2002). Embora tenha vivido muitos anos fora da Venezuela, ele sempre insiste que conhece bem o país.
Outros nomes
Concorrendo por fora, outros oito opositores – entre nomes desconhecidos e figuras de renome nacional – completam o cenário eleitoral. As informações são do portal Brasil de Fato.
- Antonio Ecarri, fundador do partido Aliança Lápiz, é o terceiro na corrida eleitoral. Ele se posiciona como um “candidato de centro”, desvinculado tanto do governo quanto da extrema direita. Ecarri promete “tranquilidade” e um “caminho seguro” para o país, e embora não tenha apresentado um plano de governo detalhado, comprometeu-se a criar restaurantes populares, aumentar os salários com ajuda de organismos multilaterais e eliminar o Imposto sobre Grandes Transações Financeiras.
- Luis Eduardo Martínez, candidato da Ação Democrática (AD), é deputado e reitor da Universidade Tecnológica do Centro. Ele prometeu “transformar a Venezuela” e acabar com a reeleição indefinida, focando no combate à corrupção e prometendo elevar o salário mínimo para US$ 200. Em entrevistas, declarou ser contra as sanções dos Estados Unidos e planeja uma reforma constitucional.
- José Brito, deputado e candidato pelos partidos Primeiro Venezuela, Min-Unidade e Unidade Visão Venezuela, tem como objetivos a “estabilidade política e o desenvolvimento econômico”. Ele propõe criar um Fundo Soberano para investir o excedente da produção de petróleo e gás no mercado financeiro internacional, sustentando a economia durante períodos de queda do preço do petróleo. Também pretende centrar a economia em um eixo petroquímico.
- Daniel Ceballos, ex-prefeito e candidato pelo partido Arepa, foi preso em 2014 por apoiar protestos violentos. Ele pretende priorizar o “resgate econômico e a liberdade dos presos políticos” e eliminar a reeleição ilimitada. Ceballos também foi deputado no estado de Táchira e se apresenta como uma “alternativa” para reconstruir o país.
- Javier Bertucci, pastor evangélico e deputado pelo partido El Cambio, baseia sua campanha em três eixos: recuperação econômica, restauração do sistema de saúde e melhoria da educação para tornar a Venezuela um “país de primeiro mundo”. Fundador do movimento Evangelho Transforma, ele foi candidato nas eleições presidenciais de 2018, obtendo 10,82% dos votos, e busca a “reunificação e a tolerância no país”.
- Benjamín Rausseo, candidato da Confederação Nacional Democrática (Conde), é empresário e humorista. Ele propõe vender 49% das ações da estatal petroleira PDVSA para “capitalizar recursos” e promete implementar um salário mínimo de US$ 300 a US$ 400. Rausseo participou das eleições de 2006, mas acabou não concorrendo.
- Claudio Fermín, ex-prefeito do município de Libertador e candidato pelo partido Soluções pela Venezuela, promete colocar professores e industriais no comando dos órgãos do Estado. Durante a pré-campanha, destacou a importância de um governo de “unidade e entendimento”. Já foi deputado federal e candidato presidencial em 1993, perdendo para Rafael Caldera. Ele busca promover “entendimentos entre os diferentes lados” do conflito no país.
- Enrique Márquez, candidato do partido Centrados, foi deputado e vice-presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Ele propõe um governo baseado em quatro eixos: transição democrática, fim da reeleição, reinserção da economia no mercado internacional e um amplo debate entre os candidatos. Márquez busca o voto de “cada venezuelano sem se considerar dono da verdade” e afirma que o país precisa de líderes políticos mais sensíveis.
Outros três candidatos se inscreveram, mas desistiram de participar: Manuel Rosales, Juan Carlos Alvarado e Luis Ratti.
Pesquisas
As pesquisas eleitorais da Venezuela divergem sobre o resultado do pleito presidencial marcado para o próximo domingo. Enquanto algumas enquetes dão a vitória com ampla margem a Urrutia, outros levantamentos apontam para uma vitória de Maduro, também com uma margem confortável.
Institutos de pesquisa como Datincorp, Delphos e Meganálisis, entre outros, dão vitória ao opositor. Já pesquisas do Centro de Medição e Interpretação de Dados Estatísticos (Cmide), do Hinterlaces e do Internacional Consulting Services (ICS), entre outros estudos, indicam que o atual chefe de Estado deve se reeleger para um terceiro mandato, segundo informa a Telesur, veículo estatal do país.
Sanções
O país petrolífero, que já foi um dos mais ricos da América Latina, está imerso em crises. A produção de petróleo bruto caiu de 3,5 milhões de barris por dia em 2008 para 400 mil em 2020, e atualmente recuperou a marca de 1 milhão de barris por dia.
O Produto Interno Bruto (PIB) sofreu uma redução de 80% em 10 anos, com quatro anos de hiperinflação que levaram à dolarização parcial da economia. Cerca de 7 milhões de venezuelanos fugiram do país na última década, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Os sistemas de saúde e educação estão em total ruína.
O governo atribui este cenário ao "bloqueio criminoso", referindo-se às sanções impostas pelos Estados Unidos (EUA) em 2019, após a reeleição de Maduro em 2018, considerada fraudulenta pelas autoridades americanas. Apesar da aproximação da Venezuela com a Rússia, Irã e China, os EUA, que foram seu principal comprador de petróleo bruto, continuam sendo um ator central na situação venezuelana.
Washington promoveu a organização de eleições "democráticas, livres e justas" em troca do alívio das sanções e mantém negociações com o governo Maduro, cujo conteúdo é desconhecido. Os EUA também querem evitar a chegada de uma possível nova onda de migração se Maduro for reeleito, uma questão fundamental em sua própria campanha eleitoral.
Polêmicas recentes
Durante discurso em um dos atos de sua campanha à presidência, Maduro afirmou que haverá um "banho de sangue" e uma "guerra civil fraticida" caso não vença as eleições.
O chefe venezuelano não especifica sobre quem fala quando cita "banho de sangue" e "guerra civil fraticida", mas usa o termo "fascistas". No discurso, ele diz aos eleitores que almeja "a maior vitória da história eleitoral do nosso povo".
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que ficou "assustado" com as advertências do presidente venezuelano.
— Fiquei assustado com a declaração do Maduro dizendo que se ele perder as eleições vai ter um banho de sangue. Quem perde as eleições toma um banho de voto, não de sangue. O Maduro tem que aprender que, quando você ganha, você fica, quando você perde, você vai embora. Vai embora e se prepara para disputar outra eleição — afirmou Lula.
— Que tome um chá de camomila. Eu não disse mentiras. Apenas fiz uma reflexão. Quem se assustou que tome um chá de camomila. Na Venezuela vai triunfar a paz, o poder popular, a união cívico-militar-policial perfeita — respondeu Maduro, sem mencionar expressamente o presidente brasileiro.
O governante socialista fez referência ao "Caracazo", um levante social em fevereiro de 1989 que deixou milhares de mortos, segundo denúncias, embora o balanço oficial tenha sido de cerca de 300 falecidos.
O antecessor de Maduro, Hugo Chávez, justificou com isso a insurreição fracassada que liderou em 4 de fevereiro de 1992 e que marcaria a ascensão de sua popularidade.
— Eu disse que se, negado e transmutado, a direita extremista (...) chegasse ao poder político na Venezuela haveria um banho de sangue. E não é que eu esteja inventando, é que já vivemos um banho de sangue, em 27 e 28 de fevereiro — manifestou o chefe de Estado venezuelano.