Por Stefan Staiger Schneider
Advogado, doutor e mestre em Direito, mestre em Estudos Europeus, membro da Comissão de Relações Internacionais e Integração do Mercosul da OAB/RS
Criado em 26 de março de 1991, com o Tratado de Assunção, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) é uma organização intergovernamental entre Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e, desde dezembro de 2023, Bolívia para a integração econômica regional. Mais antigo do que a Organização Mundial do Comércio (OMC), que é de 1995, o Mercosul ainda não alcançou todos os objetivos almejados. Mesmo assim, apresenta números impressionantes. Por exemplo, o seu PIB, em 2022, de acordo com o Banco Mundial, ultrapassou US$ 5,1 trilhões.
Um acontecimento importante em sua história foi o início das negociações, em 1999, de um acordo econômico com a União Europeia (UE), a maior e mais exitosa organização de integração regional no planeta. Após 20 longos anos, o acordo foi concluído em Bruxelas em 2019 e passou para a etapa revisional. Desde então, a imprensa tornou-se observadora do Mercosul e dos termos do acordo. O interesse justifica-se por vários motivos, entre os quais que o Mercosul e a UE representam cerca de 25% da economia do mundo e um mercado que supera 780 milhões de pessoas. Todavia, passados quase cinco anos, a ratificação ainda não aconteceu.
Neste lado do oceano, o agronegócio será o setor mais beneficiado. Isso porque a UE deverá eliminar as tarifas para frutas como laranjas, limões, maçãs, melancias, melões e uvas de mesa, entre outras. O mesmo será feito com fumo manufaturado, óleos vegetais, cafés verde, torrado, solúvel e extratos, suco de laranja, peixes e crustáceos. Já carnes bovina, suína e de aves, açúcar, arroz, cacau, etanol, ovos e mel terão acesso preferencial ao mercado europeu por meio de cotas desde que comprovada suas origens de áreas livres de desmatamento de florestas equatoriais e tropicais. Os possíveis efeitos na balança comercial são excelentes porque os países do Mercosul exportam principalmente commodities.
Do outro lado do Atlântico, o setor da economia mais favorecido será o secundário. Tarifas do Mercosul que deverão ser removidas são 35% sobre carros, 14% a 18% sobre peças para carros, 18% sobre produtos químicos e 14% para produtos farmacêuticos fabricados na UE. Esses percentuais são apenas para entrar no Mercosul e, depois, são acrescidos de tributos específicos de cada país integrante do bloco. Quem é pecuarista, por exemplo, deverá pagar menos por remédios de alta qualidade fabricados na UE e no Mercosul desde que tenham químicos de lá, devendo haver queda de custos para manter a saúde de animais do Mercosul.
O que é atraente para relações comerciais é também complexo, porque Mercosul e UE competirão entre si no agronegócio. Além disso, a situação dos agropecuaristas da UE, no momento, é delicada, e desde o início de 2024 foram realizados protestos em vários países europeus. Entre os motivos estão o aumento das importações de cereais, açúcar e carne baratos e sem cotas da Ucrânia para ajudar a economia do país invadido pela Rússia, o aumento dos custos com energia elétrica por causa da diminuição no fornecimento de gás natural russo via gasoduto, o aumento dos valores de derivados do petróleo, perdas de plantações e animais devido a incêndios, inundações e grandes secas, e ainda por conta das metas do Acordo Verde Europeu, que reúne normas ambientais e medidas para o bem-estar de animais de fazendas desde a criação até o abate, incluindo normas para transporte. Também estão sendo revistas as normas para embarcações pesqueiras e elaborado um plano de contingência para o fornecimento e a segurança de alimentos em caso de pandemias.
Contudo, o novo Acordo Verde Europeu não se aplica a produtos de fora da UE. Portanto, os produtores rurais do bloco argumentam que estão sendo prejudicados por concorrência desleal. Por isso, protestam. Os produtos do Mercosul não são os únicos alvos, mas são citados devido ao impacto econômico que o agronegócio mercosulino pode causar.
É possível que os protestos suavizem as normas da UE para os seus agropecuaristas. Se isso acontecer, a diplomacia dos países do Mercosul deveria agir para também amenizar as cláusulas ambientais impostas no acordo entre os dois blocos, especialmente as aplicáveis ao Brasil devido à Amazônia. A UE preocupa-se com o risco de um acordo comercial contribuir para destruir a floresta.
Isso me leva ao crescimento do PIB da economia brasileira em 2,9%, em 2023, em relação a 2022, sendo que o crescimento do agronegócio foi de 15,1%, impulsionando o desempenho geral, conforme o IBGE. A alta do setor é apontada como um novo recorde e aconteceu apesar de conhecidos problemas como portos precários e muito caros, rodovias insuficientes e mal conservadas e a falta de uma rede ferroviária eficiente. Assim, caso melhorias logísticas forem realizadas, o potencial do agronegócio brasileiro seria imensurável, podendo representar uma ameaça a outros mercados.
Já o Mercosul, do ponto de vista econômico, pode ser interpretado, apesar da economia argentina gravemente doente, como um pequeno leão dentro de uma jaula que será alimentado pela UE e, um dia, quando estiver forte, poderá libertar-se e atacar e ferir seriamente quem o alimentou.
Os líderes da UE sabem disso. Aliás, a Europa ofereceu várias lições ao mundo. Tanto boas quanto ruins. Consequentemente, o futuro do acordo continua incerto e com muitos desafios. Parece contraditório num primeiro momento, porém uma análise mais atenta comprova que existe lógica no que está ocorrendo quanto ao agronegócio nos dois lados do Atlântico. Ainda assim, é importante ponderar que a UE deu seu voto de confiança ao Mercosul há mais de 20 anos e segue negociando com este soluções para relações mais próximas. Isso tem peso. Para o Mercosul, um acordo com a UE serve de passe para outros acordos em qualquer parte do mundo.