A delegação da Rússia barrou profissionais da imprensa brasileira e internacional de acessarem uma entrevista coletiva do ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, na reunião de chanceleres do G20, no Rio. Homem de confiança do presidente Vladimir Putin, Lavrov autorizou somente o ingresso de jornalistas russos, que em sua maioria viajaram ao Brasil no avião oficial, junto à comitiva diplomática.
A possibilidade de pronunciamento de Lavrov movimentou o Centro de Imprensa do G20. Mais de cem jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas correram para tentar participar da coletiva, mas ficaram de fora.
A Rússia sofre pressão também por falta de liberdade de imprensa. O país aparece na posição 164º no ranking de 2023 da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF). A entidade monitora a liberdade do exercício de imprensa e do acesso a informação em 180 países e territórios. A Rússia caiu nove posições em relação a 2022, quando invadiu a Ucrânia.
Segundo a RSF, Putin implementou uma "guerra de propaganda" para difundir o discurso oficial e endureceu a repressão sobre veículos de imprensa independentes, que vêm sendo banidos e declarados "agentes estrangeiros" ou "organizações indesejáveis".
"Todos os outros estão sujeitos à censura militar", diz a RSF, que contabiliza 29 jornalistas e colaboradores da imprensa presos atualmente em solo russo.
O país invadiu a Ucrânia há quase dois anos, dando início a uma guerra que mobiliza grande parte da Europa e afeta a economia global. O conflito completa dois anos no sábado (24), e foi tema de debates nas reuniões reservadas, entre os ministros de 30 países e 15 organizações internacionais.
Embora todos os jornalistas russos aguardassem há pelo menos um dia pelo chamado para a entrevista coletiva, um diplomata russo desconversou ao explicar que não poderia autorizar o acesso e a participação de brasileiros. A reportagem brasileira foi retirada do corredor onde os russos aguardavam a entrevista. Esse diplomata alegou que a comitiva ministerial enviada por Moscou tinha permitido "somente a entrada" da imprensa russa na sala de reuniões da delegação.
Essa não é a primeira vez que os russos usam desse método. Durante a visita de Putin a Brasília, em 2019, para a cúpula do Brics, o governo russo também evitou contatos com a imprensa brasileira. Putin falou somente a jornalistas que o acompanhavam desde Moscou.
Cobranças
A Rússia está sendo cobrada a explicar internacionalmente a morte, em circunstâncias não esclarecidas, do opositor do governo russo Alexei Navalny, que estava detido em uma prisão no Ártico. O caso repercute em todo o mundo, e embaixadores russos têm sido chamados a prestar esclarecimentos em capitais europeias. As relações Rússia e Europa se deterioraram por causa da tomada de territórios ucranianos.
Em Lisboa, por exemplo, o governo português recebeu uma "resposta nula" do embaixador russo, relatou o chanceler João Cravinhos, para quem a morte de Navalny não pode ser considerada de "importância menor", tampouco uma "ingerência em assuntos internos", como alega a diplomacia russa.
Segundo diplomatas europeus, o chanceler britânico, David Cameron, cobrou a Rússia e rebateu a tese de "desnazificação", uma das usadas pelo Kremlin para justificar a invasão do país vizinho. Ele disse que a soberania dos países deve ser respeitada. "Matar Navalni é o que um regime nazista faria", disse Cameron, segundo embaixadores presentes.
A guerra na Ucrânia é considerada pelos europeus uma questão "existencial". A delegação francesa disse, por exemplo, a autoridades brasileiras que se sente também atacada pela Rússia e que receia de tentativas de manipulação eleitoral e estratégias de desinformação em massa nas redes sociais.
Na plenária de chanceleres, Lavrov ignorou a morte do opositor Navalny e disse que o G20 não vai ajudar a solucionar os confrontos e verbaliza contra o que considera "a politização" do grupo.
Lavrov protestou contra sanções e penalidades aplicadas a seu país após a invasão da Ucrânia e deu vazão ao discurso para tentar fortalecer o Brics em detrimento do G7. O Kremlin argumenta que "a afirmação de uma ordem mundial multipolar tornou-se sustentável e irreversível".
— Não creio que no G20 encontraremos soluções para os desafios e ameaças acumulados à segurança global. Nosso fórum das principais economias do mundo poderia afirmar claramente a recusa do G20 em usar a "economia como arma" e a "guerra como investimento" — afirmou ele, conforme discurso divulgado pelo governo russo, focado em críticas ao Ocidente.