O presidente da Argentina, Javier Milei, entregou no dia 27 de dezembro um conjunto de medidas ao Congresso. O projeto, denominado Lei de Bases e Pontos para Liberdade dos Argentinos ou "Lei Ômnibus", conta com 664 artigos distribuídos por 351 páginas propõe "estado de emergência" até o final de 2024 e mudanças nas legislações eleitoral, penal, além de permitir a privatização das empresas públicas, entre outras medidas. Esse projeto se soma às mais de 300 medidas enviadas ao Congresso por Milei pouco antes do Natal por meio de um decreto.
No entanto, as medidas encontraram forte resistência tanto no Congresso quanto na centrais sindicais. Os parlamentares argentinos já obrigaram o governo a cortar 141 artigos e uma grande manifestação está marcada para esta quarta-feira (24). Em fevereiro, a Suprema Corte deve avaliar a constitucionalidade do projeto.
Os protestos, tanto de parlamentares quanto de trabalhadores, fizeram com que Milei recuasse em diversos pontos do decreto original. Por exemplo, o texto estabelecia o fim das PASO (eleições primárias) e a adoção do voto distrital para a eleição de deputados, em substituição ao modelo atual de lista de candidatos, medida que foi retirada do projeto.
Foi retirada ainda a privatização da petroleira YPF, além da redução de quatro para um ano o "estado de emergência" proposto pelo presidente argentino, período durante o qual Milei terá poderes extraordinários, com o direito de adotar medidas por decreto.
Outros recuos de Milei
A versão mais recente da "Lei Ômnibus" apresenta uma série de alterações em relação ao projeto original, que havia gerado questionamentos devido à amplitude sem precedentes da proposta. Com essas concessões, o governo busca obter uma receptividade mais favorável por parte dos deputados dos partidos da oposição, que mantêm certo grau de proximidade com a administração federal e estão abertos ao diálogo, como o PRO, a União Cívica Radical e a Coligação Federal, a fim de evitar a rejeição. As informações são do jornal CNN.
Um dos recuos por parte do governo argentino foi em relação às aposentadorias, que permanecerão na fórmula atual até março. A partir de abril, serão atualizadas mensalmente de acordo com os dados mais recentes de inflação do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec).
Para as economias regionais, os direitos de exportação também foram reduzidos para 0%, e a capacidade de aumentar esses direitos foi retirada do Poder Executivo. "Apenas a autoridade para reduzi-los foi mantida", ressalta o novo texto.
Política ambiental
No novo documento, as alterações na Lei de Queimadas, cuja redação era considerada confusa, foram revogadas, e os prazos para autorização dessa prática, relacionada à queima de florestas pela autoridade competente, são estendidos. Adicionalmente, foi incluído um artigo que assegura recursos para o Fundo Florestal, enquanto as atividades proibidas na Lei das Geleiras — denominadas como atividades proibidas na zona periglacial — são esclarecidas.
Política cultural
Além das mudanças nas áreas econômica e política, o governo Milei também deu passos atrás no desmonte das políticas públicas da área cultural. Devolveu a verba específica e automática ao Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (Incaa) — responsável por boa parte do sucesso dos filmes argentinos no mundo — e mantém o Fundo Nacional das Artes, que havia sido extinto na versão original.
O protesto teve apoio do espanhol Pedro Almodóvar, do mexicano Alejandro González Iñárritu e do finlandês Aki Kaurismäki, que assinaram um comunicado em defesa do cinema argentino.
Protestos e paralisações
O protesto desta quarta-feira (24) é encabeçado pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), que rejeita as reformas de Milei que limitam o direito à greve e o financiamento dos sindicatos. A manifestação, que começa às 12h (horário de Brasília), está programada para terminar à meia-noite. Ele deve reunir ferroviários, taxistas, trabalhadores de portos, do setor aeronáutico, além de funcionários de estatais.
A paralisação resultou no cancelamento de voos pelas companhias aéreas brasileiras, de acordo com levantamento no site da GOL e da Latam conduzido pelo G1. A Azul, por sua vez, não opera no país vizinho.
A análise identificou 33 cancelamentos de voos de ida e volta entre Brasil e Argentina programados para este 24 de janeiro. A GOL planeja 22 cancelamentos, enquanto a Latam apresenta 11 rotas canceladas e uma com status de atraso.
O que significa o "estado de emergência"?
O estado de emergência vale para "temas econômicos, financeiros, fiscais, segurança, tarifas, energia, saúde, administrativos e sociais. Inicialmente, o texto valeria até 31 de dezembro de 2025", podendo ser prorrogado por até dois anos. Entretanto, em um dos recuos de Milei, a medida seria adotada até 31 de dezembro de 2024. Na prática, o documento, se aprovado pelo Congresso, permitiria ao presidente argentino ter funções legislativas nas matérias que pontua.
Entre as medidas previstas, estão privatizações de estatais, o fim das eleições primárias, a adoção do voto distrital para eleição de deputados e mais restrições a protestos.
Milei tem apoio no Congresso?
O partido de Milei, A Liberdade Avança, é minoritário no Congresso e ainda não avançou na costura de alianças. O partido libertário tem 38 dos 257 deputados e sete de 72 senadores, enquanto a oposição tem a chamada "primeira minoria" em ambas as Casas.
Milei quer aprovar a reforma na quinta-feira (25), mas a proposta ainda espera o aval das comissões da Câmara para ser votada em plenário. O governo precisa de no mínimo mais 91 deputados para que o pacote avance.
Repressão
O governo disse que não "entende" as razões da greve e fez campanha para desencorajar o comparecimento. Milei prometeu descontar o dia de trabalho dos funcionários federais. O ministro da Justiça, Mariano Cúneo Libarona, ameaçou processar os grevistas. A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, criou uma linha para denúncias de trabalhadores que se sintam ameaçados por piquetes.
Segundo analistas, a greve não deve afetar as negociações de Milei no Congresso, porque a oposição peronista, que aderiu aos protestos, não participa das conversas.