Os argentinos vão às urnas no próximo domingo (22) em um cenário ainda considerado incerto, com trocas de acusações entre as campanhas na Justiça, e novos dados econômicos que dão péssimos sinais ao governo.
O desempenho de Patricia Bullrich no último debate presidencial joga um novo elemento na disputa, com a campanha oposicionista almejando uma vaga no segundo turno. A maioria das pesquisas de intenção de votos aponta para um segundo turno entre o libertário Javier Milei e o peronista Sergio Massa — o ideal dos mundos para ambos.
Analistas alertam que o cenário continua em aberto, já que as eleições primárias de agosto terminaram tecnicamente empatadas entre os três principais candidatos, ainda que uns melhores do que outros. Além disso, as pesquisas falharam em prever o fenômeno Milei que se viu em agosto.
As eleições de agora chegam em um cenário mais sombrio do que o que se via nas primárias. Na última quinta-feira (12), o instituto de estatística da Argentina divulgou os novos dados de inflação, que bateu 138,3% na taxa interanual. Só em setembro, a taxa foi 12,7%, a mais alta desde fevereiro de 1991, e sendo o segundo mês seguido de inflação de dois dígitos.
Para acirrar ainda mais os ânimos, o valor do dólar disparou e pela primeira vez ultrapassou a barreira dos 1 mil pesos argentinos. O resultado é uma nova remarcação de preços, mais contenção de transações em dólares e novas restrições de importações, o que agrava a escassez de produtos importados.
Além disso, a pobreza continua em uma crescente, com 42% dos argentinos dentro desta estatística. Número que se vê refletido com cada vez mais pessoas morando nas ruas, estações rodoviárias e na entrada do aeroporto.
Briga na Justiça
Com os argentinos cada vez mais cansados de uma situação que parece infinita, as campanhas se lançaram em movimentos de trocas de acusações. Milei a todo momento lembra que Massa é o ministro da Economia e, portanto, responsável pela crise econômica, ainda que diga que entrou no governo há pouco mais de um ano. Já Massa vê nas falas agressivas do adversário a razão pela inquietação do mercado.
Na semana anterior, Milei foi questionado sobre a disparada do dólar, o que respondeu aconselhando as pessoas a não pouparem seus pesos porque a moeda "vale menos que um excremento" e "não serve nem para adubo".
Pelas falas, o presidente Alberto Fernández saiu do seu auto isolamento político para denunciar Milei por "intimidação pública" nos tribunais federais de Retiro, bairro de Buenos Aires.
A ação abriu uma caixa de pandora tanto para Milei quanto dentro do peronismo. Pela primeira vez desde que se lançou candidato, o libertário convocou uma coletiva de imprensa em que apareceu nervoso e discutiu com jornalistas. Seu objetivo, porém, era responder à denúncia.
— Esta cadeia de acontecimentos indica claramente que o kirchnerismo está tentando sujar o processo eleitoral ou mesmo banir a força política mais votada nas eleições de agosto porque sabe que estamos a poucos pontos de vencer em outubro e acabar com o seu governo de criminosos para sempre — leu o candidato para uma sala lotada de jornalistas que faziam transmissões ao vivo.
Um dia depois, Milei denunciou o União pela Pátria, coalizão peronista, por supostamente difundir informações falsas sobre as propostas de campanha de seu partido, A Liberdade Avança. Seu advogado acusou a coalizão de manter o site "www.loquedicemilei.com". A origem das publicações, porém, é desconhecida.
Vale lembrar que Milei já tem outras duas denúncias na Justiça movidas por Patricia Bullrich pelas vezes em que o candidato a acusou de ter pertencido à organização guerrilheira peronista "motoneros".
Mas a denúncia de Fernández também repercutiu mal dentro de sua coalizão. Segundo informações de bastidor publicadas nos jornais argentinos, Sergio Massa não estava sabendo do movimento do presidente e teria se enfurecido. Fernández desapareceu da campanha de seu ministro justamente por desagradá-lo e contaminar a disputa com a sua impopularidade de mais de 60%.
Patricia Bullrich esperançosa
Entre os políticos do Juntos pela Mudança, coalizão oposicionista comandada pelo ex-presidente Mauricio Macri, o sentimento para os próximos dias é de esperança de virada. Eleitores da candidata são menos esperançosos, todavia admitem que lhes seria o mundo ideal não ter de escolher entre dois antagônicos.
Já há mais de um mês, Milei e Massa partiram em uma campanha em que ambos já se viam disputando o segundo turno. Bullrich ficou apagada no meio dessa disputa entre libertários e peronistas. Cenário que ficou explícito no primeiro debate, de 1º de outubro. Mas a oposicionista, que briga pelos valiosos votos do derrotado nas primárias de sua coalizão, Horacio Rodríguez Larreta, e dos ausentes das primárias, conseguiu reverter sua imagem no debate do dia 8.
Ela conseguiu levar o tema da segurança para a pauta, seu tema de domínio, já que foi ministra de Segurança no governo de Macri. Também foi dura nas críticas à Massa e acusou o peronista de se alinhar a Milei nos ataques a ela.
A candidata investiu na estratégia de expor Milei como uma mudança muito insegura para o país, enquanto ela é a renovação "ordenada". Já contra Massa, Bullrich recuperou os escândalos recentes que mancham sua campanha.
Apostando no teto baixo de votos que tem Milei, Bullrich sai nesta última semana em uma caravana pelas províncias, onde busca ter o voto daqueles que cogitavam apostar em Massa, mas se decepcionaram com as notícias dos últimos dias.
A corrida, porém, segue aberta. Por enquanto, Milei é o candidato mais provável a ir para o segundo turno, estando a segunda vaga em um vale-tudo. Mas mesmo esta certeza em Milei lança dúvidas em analistas, em uma Argentina onde o cenário eleitoral muda "do dia para a noite".
— As pesquisas são bastante confusas, não acertaram nas primárias, então precisamos ver como serão as eleições gerais. Se haverá um impacto dos escândalos que eclodiram, o cansaço do povo, a incerteza sobre o valor do dólar. São muitos fatores que não sabemos como vão impactar, mas vão impactar no comportamento eleitoral — afirma Facundo Galván, professor de Ciência Política na Universidade de Buenos Aires.