A sexta-feira (23) e o sábado (24) foram marcados por uma crise entre o grupo Wagner, milícia que combatia ao lado da Rússia na guerra contra a Ucrânia, e o governo do presidente Vladimir Putin. O líder do grupo Wagner, Yevgueni Prigozhin, 62 anos, ameaçou derrubar o comando militar russo. Em resposta, Putin disse que iria punir os "traidores" do grupo. Após um acordo com o governo de Belarus, aliado da Rússia, Prigozhin ordenou o recuo da milícia. Ele ficará exilado em Belarus e as acusações contra ele serão retiradas.
Na tarde de sábado (24), o porta-voz de Vladimir Putin, Dmitry Peskov, garantiu a anistia dos mercenários do Wagner.
— Ninguém vai julgar (os combatentes), tendo em conta os seus méritos na frente do conflito com a Ucrânia — afirmou Peskov.
Confira a seguir o que se sabe sobre o caso até o momento:
O que provocou a rebelião?
Há meses, Prigozhin tem se envolvido em uma disputa pelo poder com os comandos militares russos, aos quais responsabiliza pelas baixas em suas tropas no leste da Ucrânia.
Em várias ocasiões, ele acusou o exército russo de não equipar suficientemente seus mercenários, ou de dificultar seus avanços com trâmites burocráticos, além de atribuir a si vitórias que, na verdade - segundo Prigozhin - foram obtidas graças aos combatentes do Wagner.
Na sexta-feira, Prigozhin acusou o comando militar russo de ordenar bombardeios contra as bases de seu grupo paramilitar e de ter matado muitos de seus combatentes.
O líder do grupo Wagner afirmou que é preciso "frear" as lideranças militares russas, e prometeu "ir até o final". Mais tarde, anunciou que seus combatentes haviam derrubado um helicóptero militar russo e que tinham tomado várias instalações militares na cidade de Rostov, ao sul do país.
Como Moscou reagiu?
Após qualificar a rebelião como "ameaça mortal" para o país e assegurar que a "traição" do grupo Wagner resultaria em uma "inevitável punição", Putin anunciou que o governo russo não irá punir criminalmente os combatentes do Wagner e nem o seu líder Yevgueni Prigozhin.
O Ministério Público da Rússia havia anunciado a abertura de uma investigação por "motim armado" contra o grupo paramilitar, cujo efetivo (de 25 mil combatentes, segundo Prigozhin) se insurgiu após acusar o exército russo de ter bombardeado suas bases.
No entanto, o porta-voz de Vladimir Putin, Dmitry Peskov, garantiu a anistia dos mercenários e o exílio de Prigozhin em Belarus, sem acusações criminais.
O que provocou o acordo?
Segundo Peskov, foi feita uma negociação entre o governo russo e os mercenários, intermediada por Aleksandr Lukashenko, presidente de Belarus e aliado de Putin.
— O fato é que Alexandr Grigoryevich (Lukashenko) conhece Prigozhin pessoalmente há muito tempo, há cerca de 20 anos. E foi sua proposta pessoal, que foi acordada com Putin. Somos gratos ao presidente de Belarus por esses esforços — agradeceu o porta-voz.
Prigozhin e todos os seus combatentes desocuparam o quartel-general militar na cidade de Rostov-on-Don, no sul da Rússia, que haviam assumido anteriormente, menos de duas horas após o anúncio do acordo.
Dmitry pontuou que esse acordo foi a decisão mais acertada para não haver mortes e prejuízos para ambos os lados.
— Evitar um derramamento de sangue (em Moscou) compensa mais do que perseguir alguém criminalmente — declarou Dmitry.
O representante russo ainda ressaltou que Putin "sempre respeitou os feitos históricos" do grupo nas linhas de frente na Ucrânia, em apoio a invasão russa no leste europeu.
Foi graças a esse acordo que Prigozhin ordenou na manhã deste sábado (24) que os combatentes, que estavam indo em direção à capital russa, desistissem da ofensiva.
"Agora é a hora em que o sangue pode correr. Por isso, nossas colunas recuam, para retornarem aos acampamentos", declarou o líder dos mercenários em mensagem publicada no Telegram.
O que diz o acordo da Rússia com o grupo Wagner?
O acordo entre o governo russo e os combatentes prevê uma série de benefícios para ambos os lados, desde que cada um cumpra com sua parte. Confira o que ficou decidido na negociação:
- Nenhum combatente que participou da rebelião sofrerá sanções criminais nem será perseguido.
- Os mercenários que não aderiram à revolta poderão ser integrados ao Ministério da Defesa da Rússia.
- Tanto os que participaram da rebelião quanto os que ficaram de fora contarão com o suporte da Polícia de Trânsito e demais apoios para regressarem aos seus locais de permanência.
- Yevgueni Prigozhin precisará deixar o front na Ucrânia e na sua cidade natal, São Petersburgo. O chefe do grupo ficará exilado em Belarus, país aliado de Moscou.
- Serão retiradas todas as acusações contra Prigozhin
Quem são os combatentes do grupo Wagner?
Fundado em 2014, o grupo paramilitar Wagner teve como uma de suas primeiras missões conhecidas as ações na península ucraniana da Crimeia, naquele mesmo ano, quando militares com uniformes sem identificação ajudaram forças separatistas apoiadas pela Rússia a tomar a região.
Privado, mas atuando de acordo com os interesses do governo russo, o grupo também esteve envolvido em conflitos no Oriente Médio e na África, mas sempre negou sua participação. No ano passado, Prigozhin admitiu ter fundado o grupo recrutando soldados em prisões russas em troca de anistia.
No leste da Ucrânia, seus paramilitares têm se posicionado na linha de frente. Eles lideraram a tomada de Bakhmut, que se estendeu durante meses, e reivindicaram ter tomado esta cidade para as tropas russas, embora a operação tenha causado muitas baixas ao grupo.
Quem é Prighozhin?
O conflito na Ucrânia permitiu que o imprevisível chefe do grupo paramilitar Wagner, Yevgeny Prigozhin, surgisse como uma figura de destaque na Rússia. Em maio deste ano, ele obteve sua consagração ao reivindicar a conquista da cidade de Bakhmut (leste), uma das poucas vitórias das forças russas, após meses de duros combates. Entretanto, as tensões com o Estado-Maior se acentuaram durante a batalha, com Prigozhin acusando os militares de não fornecerem munições ao Grupo Wagner.
No início do conflito na Ucrânia, em fevereiro de 2022, ele começou a fazer cada vez mais aparecimentos públicos, principalmente a partir de setembro, quando o Exército russo sofria sérios revezes. Em outubro passado, instalou seus escritórios em um edifício espelhado e luxuoso de São Petersburgo.
O próprio Prigozhin esteve preso na Rússia por quase uma década no fim da era soviética, e depois passou a vender cachorro-quente em São Petersburgo, antes de ir subindo até chegar às altas esferas como empresário do setor de restaurantes.
Como este movimento afeta o conflito na Ucrânia?
O motim representa o mais grave desafio ao qual Putin teve que enfrentar em seu longo mandato, e a crise de segurança mais importante para a Rússia desde que ele chegou ao poder. A situação poderia desviar a atenção e os recursos em pleno conflito na Ucrânia, e coincide, ainda, com a contraofensiva anunciada por Kiev para recuperar territórios.
O exército ucraniano informou que está "observando" a luta interna entre Prigozhin e Putin. Moscou, no entanto, advertiu que o exército ucraniano estava aproveitando a situação para reunir suas tropas perto de Bakhmut frente a uma ofensiva.
No plano internacional, Estados Unidos, França, Alemanha e União Europeia informaram que acompanham a situação de perto.
O que dizem as autoridades ucranianas?
O motim do grupo Wagner é uma demonstração da "fragilidade" da Rússia, mergulhada "no mal e no caos", avaliou, neste sábado, o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, em postagem nas redes sociais.
"A fragilidade da Rússia é evidente. Uma fragilidade total", destacou Zelensky, avaliando ser "evidente que a Ucrânia é capaz de proteger a Europa de uma contaminação do mal e do caos russos". Em sua primeira reação aos acontecimentos na Rússia, o presidente ucraniano afirmou ainda que "quem escolhe o caminho do mal, se autodestrói", referindo-se ao seu contraparte russo, Vladimir Putin.
Segundo Zelensky, Putin "envia centenas de milhares de pessoas para a guerra para finalmente se entrincheirar na região de Moscou e se proteger dos que ele mesmo armou". "A Rússia tem usado a propaganda para ocultar sua fragilidade e a estupidez de seu governo. E, agora, o caos é tal que ninguém pode mentir a esse respeito", acrescentou.