
Os estupros e as agressões sexuais atribuídas às forças russas na Ucrânia constituem "uma estratégia militar" e uma "tática deliberada para desumanizar as vítimas", afirmou a representante especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Violência Sexual em Conflitos, Pramila Patten.
— Todos os indícios estão lá — declarou Patten em uma entrevista em Paris, onde assinou na última quinta-feira (13) um acordo com a ONG Bibliotecas Sem Fronteiras para apoiar as vítimas de agressões sexuais durante conflitos.
— Quando mulheres e meninas são sequestradas durante dias e estupradas, quando se começa a violentar meninos e homens, quando vemos uma série de casos de mutilações de órgãos genitais, quando você ouve os depoimentos de mulheres que falam de soldados russos que usam Viagra, trata-se claramente de uma estratégia militar — afirmou.
— E quando as vítimas falam sobre o que foi dito durante os estupros, está claro que é uma tática deliberada para desumanizar as vítimas — acrescenta Patten, advogada de 64 anos.
Ela destaca que os primeiros relatos surgiram "três dias após o início da invasão da Ucrânia", em 24 de fevereiro. Desde então, a ONU verificou "mais de cem", mas os casos denunciados "são apenas a ponta do iceberg", afirma Patten.
— É muito complicado ter estatísticas confiáveis durante um conflito ativo. Os números nunca refletirão a realidade, porque a violência sexual é um crime silencioso, o menos denunciado e o menos condenado — ressalta Patten, que cita o medo de represálias e estigmatização. As vítimas são principalmente mulheres e meninas, de acordo com a representante da ONU.
— De acordo com os depoimentos, a idade das vítimas de violência sexual vai dos quatro anos aos 82 anos. Há muitos casos de violência sexual contra crianças, que são estupradas, torturadas e sequestradas — afirma Patten.
— Minha luta contra a violência sexual é um verdadeiro combate contra a impunidade — insiste a advogada.
Conscientização internacional
Patten disse que sua visita à Ucrânia em maio pretendia "enviar um sinal forte às vítimas, afirmar que estávamos ao lado delas e pedir que quebrassem o silêncio".
— Mas também enviar um sinal forte aos estupradores: o mundo está observando e violentar uma mulher ou uma menina, um homem ou um menino, terá consequências — acrescenta.
O estupro como arma de guerra existe em todos os conflitos, da Bósnia à República Democrática do Congo, mas Patten considera que a guerra na Ucrânia representa uma "tomada de consciência" internacional.
— Agora há uma vontade política de combater a impunidade e um consenso de que o estupro é usado como uma tática militar, uma tática de terror — analisa.
— É por que acontece no coração da Europa? Talvez a resposta esteja aí — acrescenta a representante da ONU, com a esperança de que a Ucrânia não ofusque os demais conflitos.
— Considero muito positivo o interesse na questão da violência sexual vinculada aos conflitos, que sempre foi considerada inevitável, como um dano colateral, uma questão cultural. Mas não, é um crime — destaca.
Outra preocupação para a representante das Nações Unidas é o risco de tráfico de pessoas.
— As mulheres, as meninas e as crianças que fugiram da Ucrânia são muito vulneráveis e, para os predadores, o que está acontecendo neste país não é uma tragédia, e sim uma oportunidade. O tráfico de pessoas é um crime invisível, mas é uma grande crise — alerta.
Desde que a Rússia deu início à invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro, mais de 7,6 milhões de ucranianos procuraram refúgio em outros países da Europa.