A relação conturbada entre China e a ilha de Taiwan é fonte de tensões recorrentes entre Washington, capital dos Estados Unidos, e Pequim, capital chinesa. Ao longo de mais de 70 anos, a diplomacia entre os chineses e a ilha de 23 milhões de pessoas, a 130 km da costa da China, enfrentou várias etapas turbulentas, mas chega a um novo patamar atualmente. A recente visita da presidente da Câmara dos Representantes americana, Nancy Pelosi, à capital taiwanesa, Taipei, e autorização da China para exercícios militares com munição real no Estreito de Taiwan aumentaram significativamente a preocupação com um possível um conflito.
O que está em jogo e quem são os envolvidos
A China reivindica Taiwan, uma democracia insular autônoma, como seu território e prometeu recuperá-lo – pela força, se necessário (veja abaixo o contexto da separação). Em um telefonema no 28 de julho, o líder chinês, Xi Jinping, alertou o presidente estadunidense, Joe Biden, contra a intervenção na disputa e sobre as consequências de uma visita de Nancy Pelosi à ilha. A China advertiu que os Estados Unidos "pagariam o preço" caso a legisladora visitasse Taiwan.
A Casa Branca insistiu, por sua vez, que tem direitos de visitação, e na terça-feira (2) a parlamentar chegou à ilha, na primeira visita de uma autoridade americana de primeiro escalão desde 1997. Pequim entendeu o gesto como uma provocação, reagindo em diferentes frentes e aprofundando ainda mais a crise.
Nesta quinta-feira (4), a China anunciou o início de atividades envolvendo Marinha, Força Aérea e outros departamentos em seis áreas ao redor de Taiwan. A ilha anunciou que 11 mísseis balísticos foram lançados no exercício com tiro real que a China realiza em seu entorno. Os chineses aumentaram a contagem informando que, na verdade, foram 16. Um dia antes, 27 caças cruzaram a zona de defesa aérea de Taiwan, espaço aéreo contestado entre os dois países.
A ação chinesa surpreende analistas, que acreditavam que este tipo de cerco seria guardado para um passo seguinte e alertam que os chineses estão se preparando para uma eventual reunificação da ilha.
Entenda a separação de China e Taiwan e o posicionamento dos EUA
- Em 1º de outubro de 1949, o líder comunista Mao Zedong proclamou a fundação da República Popular da China, após derrotar os nacionalistas na guerra civil que eclodiu depois da Segunda Guerra Mundial e durou quatro anos.
- As tropas nacionalistas do Kuomintang, lideradas por Chiang Kai-shek, recuaram para Taiwan e formaram um governo. Os nacionalistas proibiram qualquer relação com a China continental.
- Pouco depois aconteceu a primeira de uma série de tentativas do Exército Popular de Libertação da China (EPL) de tomar as ilhotas de Quemoy e Matsu. No ano seguinte, Taiwan tornou-se um aliado dos Estados Unidos, então em guerra contra a China na Coreia.
- Em 5 de outubro de 1971, a China substituiu Taiwan na Organização das Nações Unidas (ONU).
- Já em 1979, os Estados Unidos romperam relações diplomáticas com Taiwan e reconheceram Pequim. Quase toda comunidade internacional adotou a política de "uma só China", que exclui as relações diplomáticas com o governo nacionalista.
- Nesse cenário, Washington continuou sendo o principal aliado de Taiwan e seu principal fornecedor de equipamentos militares.
Qual o risco de um ataque chinês a Taiwan
O fato da China ter dado início a exercícios militares mais agressivos no entorno da ilha logo após a passagem de Nancy Pelosi pela região é entendido por alguns especialistas como um teste das capacidades chinesas de realizar manobras de guerra complexas e de impor um bloqueio naval e aéreo a Taipé, capital de Taiwan, o que pode servir de termômetro para uma invasão no futuro, de acordo com reportagem publicada pelo jornal Estadão.
— Eles definitivamente vão usar isso (os exercícios) como uma desculpa para fazer algo que os ajude a se preparar para uma possível invasão — disse Oriana Skylar Mastro, pesquisadora do Instituto Freeman Spogli de Estudos Internacionais da Universidade de Stanford, que estuda as forças armadas chinesas e seu potencial para atacar Taiwan, em entrevista ao The New York Times.
Segundo Oriana, as incursões chinesas no espaço aéreo e nas águas perto de Taiwan se tornaram mais agressivas nos últimos anos, aumentando o risco de conflito.
— A China agora tem a maior marinha do mundo e os EUA podem lançar muito menos navios em um conflito de Taiwan. A força de mísseis da China também é capaz de atingir navios no mar para neutralizar a principal ferramenta de projeção de poder estadunidense: os porta-aviões — argumenta Oriana.
O momento em que a China tentará alguma ação em Taiwan continua sendo uma questão de grande debate entre especialistas militares e civis sobre a China, aponta reportagem do Estadão, mas não se espera que seja iminente.
— A China quer muito Taiwan "de volta", mas isso não significa que ela queira uma guerra sangrenta precoce que destruiria seu milagre econômico — escreveu William Overholt, pesquisador sênior da Kennedy School de Harvard, na edição atual da Global Asia.
Em 2021, aviões militares chineses sondaram o espaço aéreo perto da ilha, levando os caças taiwaneses a se deslocarem. Conforme analistas americanos, as capacidades militares da China cresceram a ponto de deixar de ser garantida uma vitória dos EUA em defesa de Taiwan.
Governo norte-americano adota cautela mas reforça comprometimento com a ilha
Secretário de imprensa do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, John Kirby, afirmou nesta quinta-feira (4) que os EUA esperam mais exercícios militares por parte da China.
— China escolheu exagerar diante da visita de Pelosi — destacou Kirby, em coletiva de imprensa. — Esperamos que a China responda mais nos próximos dias, e os Estados Unidos estão preparados. Estamos comprometidos com o direito de Taiwan de se defender — completou, destacando, entretanto, que "nada mudou na relação com a China" e que a "porta de comunicação com o governo chinês está aberta em níveis diferentes".
Questionado sobre uma segunda conversa entre o presidente chinês Xi Jinping e o americano Joe Biden, Kirby respondeu que ainda não há informações sobre isso. O secretário de imprensa ainda afirmou que Washington decidiu adiar um teste de míssil balístico intercontinental (ICBM) planejado para os próximos dias "para evitar uma nova escalada de tensões".
— Os Estados Unidos estão se comportando como uma potência nuclear responsável, reduzindo o risco de erros de cálculo — acrescentou.
Em maio deste ano, durante visita ao Japão, Biden já havia anunciado que defenderia militarmente Taiwan, caso a China tente tomar pela força o controle da ilha autônoma.
— Concordamos com a política de uma só China, aderimos a ela... Mas a ideia de que Taiwan pode ser tomada à força não é apropriada, deslocaria toda a região e seria outra ação semelhante à da Ucrânia — disse Biden na ocasião.
Os EUA mantêm relações diplomáticas robustas com os chineses, com uma grande embaixada em Pequim e quatro consulados em todo o país. Mas a relação está em baixa devido à competição militar, econômica e ideológica entre os dois países.
Por ora, os estadunidenses adotaram uma postura de cautela e observação, mas existe tensão no que se refere aos próximos passos dessa questão.