Não nos enganemos: a resposta da China à visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados americana, é real, agressiva e deve, mesmo, preocupar o mundo.
Taiwan disse que 11 mísseis balísticos foram lançados no exercício com tiro real que a China realiza em seu entorno. A China aumentou: diz que foram 16. Desses, sabe-se que entre cinco e seis caíram na Zona Econômica Exclusiva do Japão, área que o país considera seu território. De causar calafrios, sabe-se que pelo menos quatro cruzaram o céu de Taiwan. Isso significa que os artefatos foram lançados da costa chinesa, cruzaram os 180 quilômetros de mar até Taiwan, passaram por cima do seu território, e atingiram alvos do outro lado, na água. Isso não tem outro nome: trata-se de intimidação.
A ação chinesa surpreende analistas, que imaginavam que esse tipo de cerco seria guardado para um passo seguinte. No atual exercício, iniciado pela China nesta quinta-feira (4) e que vai até domingo (7), foram definidos seis pontos - todos ao redor de Taiwan. Isso é um claro (e mau) sinal de como os chineses estão se preparando para uma eventual reunificação de Taiwan.
O fato de a China realizar exercícios - lançar mísseis, por exemplo - em áreas ao redor de Taiwan é o que, na prática, se entende como um bloqueio aeronaval não declarado. Isso porque aeronaves e embarcações civis temem e evitam circular pelas áreas.
O que pode vir pela frente, qual o próximo passo? pior do que ocorreu nesta quinta-feira (4), pode ser uma ação combinada de forças aéreas e navais, o que deve ocorrer no exercício desta sexta-feira (5). É quando caças chineses tripulados poderão sobrevoar Taiwan. O risco: serem abatidos pela defesa aérea taiwanesa - ato que, certamente, será considerado um ato de guerra. A China pode ser mais cautelosa e usar drones para a operação. Mas um desses exercícios - e uma das áreas assinaladas por Pequim - fica a apenas 16 quilômetros da costa sul da ilha. É um bom ensaio para o futuro, que virá - ainda que o desembarque anfíbio não seja fácil.
O exercício chinês significa dissuasão não apenas a Taiwan, mas a qualquer força externa que pense em intervir em caso de invasão - leia-se Estados Unidos e seus aliados, como Japão e Coreia do Sul.
Um ataque chinês a Taiwan vai ocorrer? Na minha opinião, não agora. Retomar Taiwan, para onde fugiram os nacionalistas derrotados na Revolução de Mao Tsé Tung, em 1949, é objetivo principal do atual líder, Xi Jingping. A questão, já comentei aqui, não é se ele fará a operação, mas quando. E há um grande debate interno na China se isso deve ocorrer agora - há uma recessão global, a China é muito mais estratégica do que a Rússia e não quer acabar como o país de Vladimir Putin, isolado. Ou seja, a China, com o comércio muito mais penetrado nos diferentes continentes, tem muito mais a perder do que os russos.
Eu diria que tudo não passa de teatro - grave, forte, ameaçador. Mas teatro. Até para público interno. Xi precisa se mostrar um líder forte diante das eleições do Partido Comunista, que ocorrerá ali adiante.
Por enquanto, a regra interna deve ser: calibrar ações capazes de intimidar Taiwan, com o uso da força, mas sem desencadear uma guerra ou a intervenção americana. É possível. Mas não é tão fácil.